O Estado de S. Paulo – 15 de Maio de 2020

O Estadão relata que os bancos médios vão apresentar ao Banco Central uma proposta para liberar R$ 3 bilhões em depósitos judiciais em processos tributários. Seguindo um movimento que já acontece no meio corporativo, as instituições financeiras pleiteiam acessar esses recursos como uma forma de reforçar a liquidez durante a pandemia do novo coronavírus, oferecendo outro instrumento em troca como seguros de garantia judicial ou fianças bancárias.

Uma reunião está agendada entre representantes dos bancos médios e do Banco Central nesta sexta-feira, dia 15. O pleito visa a beneficiar os 93 associados da Associação Brasileira de Bancos (ABBC) entre instituições financeiras e fintechs.

“Há perto de R$ 3 bilhões em depósito judicial tributário e que representam um espaço enorme de liquidez para os bancos médios. É um dinheiro que está parado”, diz o presidente da BMG Seguradora, Jorge Sant’Anna, que lidera as discussões por parte dos bancos.

De acordo com ele, alguns possuem um menor valor, entre R$ 200 milhões e R$ 300 milhões. No entanto, tem banco com R$ 1 bilhão parados e que poderia ter um reforço de liquidez em meio à crise.

Por conta da pandemia, o Banco Central editou medidas de apoio que injetaram em torno de R$ 1,2 trilhão no sistema financeiro. Os bancos médios, contudo, entendem que as medidas tomadas pelo governo até o momento atendem o curto prazo e que dada a magnitude da crise e as incertezas de sua duração é relevante ter acesso a esses recursos que estão parados.

Até aqui, essas instituições têm sido beneficiadas por ações que visam a facilitar o funding, por exemplo, com melhorias na estrutura dos DPGEs, títulos de captação bancária. Existe expectativa, contudo, de que as Letras Financeiras Garantidas sejam mais efetivas para os bancos médios pelo fato de os montantes permitidos de emissão serem maiores e terem na ponta compradora o Tesouro Nacional.

A tentativa dos bancos médios junto ao BC é conseguir um aliado de peso no convencimento junto à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e ao Ministério da Economia. Isso porque os depósitos judiciais, nas mãos de Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, são integrados em uma conta única do Tesouro Nacional. Por isso, a equipe econômica resiste tanto em ceder na questão da substituição dos depósitos judiciais por outro instrumento.

O mercado de seguros tentou o mesmo movimento, representando pedidos de várias empresas do setor privado. Reuniões entre integrantes do setor, da Superintendência de Seguros Privados (Susep), da PGFN e do ministério da Economia chegaram a ocorrer, mas o assunto não avançou. O entendimento da PGFN é de que a substituição do recurso é difícil já que ele está em uma conta do Tesouro, o que advogados especialistas no assunto rechaçam.

“Não é pelo fato do destino dos depósitos ser uma conta do Tesouro Nacional que o direito do contribuinte não pode ser exercido. Onde está pouco importa. É um direto e o Estado tem de devolver em troca de algo que é líquido e certo como o seguro”, explica o sócio do Mattos Filho, Cassio Gama Amaral.

Em paralelo, algumas empresas tentam acessar os recursos junto ao próprio Judiciário, porém, uma parcela bem pequena tem obtido sucesso. Desde o início da pandemia, estima-se que em torno de 20% dos pedidos têm sido acatados pelos juízes. Esperava-se que esse porcentual fosse crescer diante da crise, o que poderia convencer o Judiciário da necessidade de recursos por parte das empresas, o que não aconteceu.

Não existe na lei impedimento para a troca de um depósito judicial por um seguro garantia ou fiança bancária. Essa substituição depende, contudo, da aprovação de um juiz que, antes consulta a PGFN, processo esse que acaba sendo demorado.

Nesse sentido, um novo projeto de lei sobre o tema tenta viabilizar a troca de depósitos judiciais por seguro garantia, fiança bancária ou imóveis. De autoria do deputado Carlos Bezerra, do MDB do Mato Grosso, defende a substituição. O Projeto de Lei 2408/2020 especifica um período para que essa troca ocorra: durante o estado de calamidade pública decorrente do novo coronavírus.

Defender a substituição somente durante a crise gerada pela covid-19 é, na visão de especialistas do mercado de seguros, um retrocesso. O segmento teme que, caso seja aprovado, o projeto crie uma jurisprudência que inviabilize o acesso aos recursos dos depósitos judiciais fora da pandemia.

Para Amaral, do Mattos Filho, já existe marco regulatório suficiente para justificar a substituição por seguro garantia ou fiança bancária, o que dispensa uma nova iniciativa sobre o tema. “Esse projeto pode contribuir para a não substituição após pandemia e ceifar um direito que é dos contribuintes”, avalia.

Além disso, a efetividade do projeto pode se dar tarde demais. O projeto foi apresentado no início deste mês e depende de todo o trâmite de aprovação, ou seja, Câmara dos Deputados, Senado e sanção presidencial se não tiver modificações.