PorCoberturaPublicado em 26 mar 2020, 11h08

*Por João Pedro Biazi e Fábio M. Cavalcante

Grande parte da atual geração nunca vivenciou algo assim. De maneira rápida e devastadora, o coronavírus se propaga mundo afora. Há alguns dias, a Organização Mundial da Saúde declarou que se trata de uma pandemia. Países fecharam suas fronteiras, pessoas angustiadas se acomodam em suas casas e empresas enfrentam crises que podem se tornar situações de completa insolvência. Ninguém sabe exatamente o que está por vir, mas a verdade é que a sociedade já foi abalada em diversas esferas e o clima de incerteza permanece.

Especificamente em relação às consequências econômicas, deve-se salientar que a China, país em que o surto do coronavírus surgiu, é responsável por um terço da produção manufatureira global e figura como maior país exportador de mercadorias. Tendo em vista que empresas realizam negócios por meio da celebração de contratos, a interrupção dessas atividades de manufatura e exportação gera impactos diretos em redes contratuais complexas que envolvem atores econômicos de diferentes países, sem contar os impactos no tocante às relações de trabalho.

Para lidar com esse problema com a urgência que o momento impõe, governos mundo afora têm implementado medidas econômicas de socorro a empresas. Por exemplo, o governo alemão estabeleceu a criação de um fundo de estabilização econômica a fim de garantir a liquidez e solvência empresarial.

Mas não nos enganemos com essas referências macroeconômicas. A catástrofe sanitária que vivemos definitivamente não é assunto exclusivo da alta política ou das companhias listadas em bolsa de valores. Todo o cotidiano foi ferozmente modificado pelo avanço do coronavírus.

Do mesmo modo que o vírus não analisa perfis para decidir qual pessoa vai infectar, a onda econômica que a pandemia trouxe não escolheu quais negócios iria prejudicar. Sem qualquer critério, o prejuízo foi para todos. Dos derivativos aos contratos de locação por temporada. Do mais complexo ao mais corriqueiro. É verdade que não serão todos — assim como não ficará doente toda a humanidade– mas muitos contratos sentirão abalos com a Covid-19.

Duas categorias de direito privado ajudam a identificar como os contratos podem reagir a este impacto sanitário mundial.

A primeira delas é a impossibilidade. O coronavírus pode ter tornado a prestação de determinado contrato impossível. Nesse cenário, o direito impõe que o contrato seja extinto e as partes voltem ao estado que se encontravam antes. Também é possível a substituição da prestação impossível por outra possível.

A segunda é a onerosidade excessiva. O coronavírus talvez não tenha tornado a prestação impossível, mas talvez a pandemia tenha desequilibrado substancialmente o contrato. Nesse cenário, o contrato também pode terminar extinto, como também pode sofrer revisão equitativa.

Mas vamos com calma. Cada uma dessas categorias possui específicos pressupostos de aplicação e âmbito operativo dentro do direito privado. Uma lembrança, entretanto, é necessária. Essas categorias não são remédios justificáveis para todos os contratos. Em momentos de crise, não serão todas as avenças carentes de solução imposta por impossibilidade ou excessiva onerosidade.

É equivocada qualquer solução generalista. Não podemos submeter toda a humanidade ao mesmo tratamento médico, do mesmo modo que não há “fórmula mágica” para todos os contratos nesses tempos de crise.

Para identificar qual remédio usar, é preciso conhecer e examinar o paciente. No caso da covid-19, essa é a missão última dos agentes de saúde. No caso dos contratos, a missão será dos juristas.

João Pedro Biazi é doutorando em Direito Civil pela Universidade de São Paulo. Mestre em Direito Civil pela Universidade de São Paulo. Mestre em Direito Privado pela Universidade de Roma. Professor de direito privado e advogado formado pela Universidade de São Paulo

Fábio M. R. Cavalcante é doutorando em direito comercial na Universidade de Bremen. Mestre em Resolução de Disputas Internacionais pela Humboldt-Universität zu Berlin e advogado formado pela Universidade de São Paulo