Valor Econômico – 04 de Junho de 2020
O Valor Econômico relata que o isolamento social fez seguradoras e corretoras acelerarem o passo da transformação digital. Para atenuar a forte queda na vendas de alguns produtos e, ao mesmo tempo, atender a um aumento de demanda pelas coberturas pessoais, as empresas do setor se apressam a oferecer ferramentas para contornar a falta de contato físico e alcançar os clientes onde e quando estiverem disponíveis.
Nesse novo ambiente de competição digital potencializado pela covid-19, a indústria de seguros tem olhado cada vez mais para o modelo das plataformas. O lançamento mais recente, do Banco Inter, aposta em inteligência artificial para analisar o nível de proteção necessária a cada cliente, indicar as coberturas e produtos mais adequados, calcular os preços e fechar as contratações.
A fintech vem se juntar a um ecossistema que já engloba mais de uma dezena de plataformas. Vistorias remotas, com uso do celular, têm sido importantes para manter volume das renovações de apólices Essa turma digital se divide em três tipos: as independentes, as ligadas às seguradoras e aquelas controladas por bancos. No primeiro grupo estão os chamados marketplaces, como Bidu, do grupo ThinkSeg, Minuto Seguros, Kakau e Segurize, todos especializados na comercialização de produtos de várias marcas, com pesquisa de preços, contratação e atendimento on-line.
No segundo, Porto Seguro, HDI, MAG Seguros, Sura e Tokio Marine são algumas das companhias que lançaram soluções integradas de atendimento, ofertas de produtos e serviços com contratação 100% digital, mas apenas de marca própria. Já as operações ligadas a instituições financeiras incluem Youse, da Caixa Seguradora, Ciclic, controlada pelo Banco do Brasil e Principal Financial Group, e a Proteção, plataforma recém-lançada do Banco Inter.
“Hoje a gente ainda vê a maior parte da indústria com produtos de prateleira e com pouco foco no cliente”, diz o diretor da Inter Seguros, Paulo Padilha. “Mas é preciso ir além de ter um ou dois produtos no internet banking, e disponibilizar uma ampla oferta de produtos adaptados às necessidades do cliente”, acrescenta. Segundo o executivo, o cliente pode montar uma carteira de coberturas, com contratação feita pelo celular ou computador. “A oferta é personalizada com análise de comportamento do cliente. A plataforma Proteção tem um amplo portfólio de produtos, como seguros de vida, residencial, cartão de crédito, odonto, saúde, automóvel, viagem e assim por diante.”
A sistemática da ferramenta do Inter, embora não seja inédita, faz parte de uma tendência que assumiu ares de urgência com a pandemia. “O mercado de seguros ainda é um pouco avesso à mudança, mas a covid-19 foi para alguns o gatilho nessa corrida de buscar digitalização e experiência melhor para o cliente”, afirma Padilha.
“Não foi só a indústria de seguros, mas todo mundo, após o início da pandemia de covid-19, foi obrigado a se digitalizar em todas as estruturas, esferas e profissões”, ressalta o fundador e CEO da ThinkSeg, André Gregori. “As seguradoras sempre foram muito reticentes, e tiveram que criar suas plataformas do dia para noite. Parece que foi preciso tomar um chacoalhão para se mexer.” Conforme o executivo, o marketplace on-line da ThinkSeg, a Bidu, registrou um aumento de 300% no tráfego após a covid-19. “O aumento de tráfego é uma tendência e virou uma realidade”, diz Gregori. “Tanto é que a gente está aproveitando essa onda para lançar iniciativas, como ‘lives’ diárias, um canal para as pessoas falarem com especialistas, disponibilizamos jogos e outras soluções on-line”, conta.
Para o presidente da Confederação Nacional da Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNSeg), Marcio Coriolano, embora existam muitas incertezas sobre o futuro da indústria, “todos sairão mais digitais, criativos e com produtos desenvolvidos para atender a antigas e novas demandas na era pós-covid-19”. Na avaliação do dirigente, as seguradoras brasileiras têm sido rápidas em se adaptar às mudanças sociais ocorridas dentro da crise da pandemia.
Um produto que tem despertado grande interesse dos consumidores é o seguro de vida. A Bidu registrou um aumento de 150% na procura pelas coberturas. Tanto que a ThinkSeg pretende lançar até fim de junho um novo produto do gênero no modelo de pagamento pelo uso, em que o cliente avalia quando vale a pena “ligar” o seguro. Se a pessoa trabalha em casa durante três dias na semana e não vai sair de casa, pode “desligar” a cobertura nesse período, a fim de reduzir o custo. “Vamos lançar o seguro de vida pay per use neste semestre, nós aceleramos o passo depois da pandemia”, diz Gregori.
Na Inter Seguros, a demanda por seguros de vida, prestamista, e para proteção de redução de renda também aumentou, afirma o diretor do grupo, sem, no entanto, citar um percentual. “Em termos de venda temos estado até melhor do que em meses anteriores”, ressalta Padilha. Um levantamento da MAG Seguros no Estado de São Paulo aponta um forte aumento na demanda por seguro de vida.
Segundo a empresa, o volume de contratação desse tipo de proteção subiu 31,4% no primeiro trimestre ante o mesmo período de 2019. “Nós já tínhamos percebido uma curva ascendente de demanda nos últimos meses, mas a distribuição por meio digital e remoto contribuiu diretamente para que pudéssemos absorver este aumento de procura”, explica o diretor de varejo da MAG Seguros, Marcio Batistuti.
Se por um lado a pandemia despertou o interesse pelo seguro de vida, de outro, o isolamento derrubou as vendas de coberturas para veículos. Dados da TEx Tecnologias, uma das principais fornecedoras de soluções de dados, automação e processos digitais a corretoras e seguradoras no Brasil, indicam recuo de 60% na contratação de novos seguros auto após uma queda de mais de 70% nas vendas de automóveis zero quilômetro.
Segundo Gregori, da ThinkSeg, a comercialização do seguro auto tradicional caiu quase 50% no marketplace do grupo, o Bidu. Ainda que pontual, o recuo da demanda pelas apólices de veículos acendeu uma luz amarela entre as seguradoras. Com isso, muitas começaram a buscar soluções para melhorar a experiência do cliente e facilitar os processos em meio ao isolamento. Uma dessas apostas são as ferramentas de avaliação por imagens, que evitam a necessidade de se enviar um representante fisicamente.
As vistorias on-line têm sido essenciais para manter um fluxo de renovação de apólices de veículos, por exemplo, ou para a venda de proteção residencial e de responsabilidade civil. Diversas companhias, como SulAmérica, Porto Seguro, HDI, Caixa Seguradora, Too Seguros, Sompo, Argo, AXA e Tokio Marine, aderiram à solução.
A AXA lançou em abril uma regulação de sinistros dos seguros “condomínio” e “empresa flex”, que utiliza a câmera do celular do cliente para transmitir imagens ao vivo. Segundo a companhia, a vistoria remota faz parte das iniciativas implementadas durante o período de pandemia para garantir o andamento das operações.
A Caixa Seguradora e a Too Seguros passaram a usar uma solução de vistoria remota oferecida pela Wiz BPO, do grupo Wiz, que tem a Caixa como acionista, principalmente para os produtos habitacionais.
De acordo com a Wiz, desde 16 de março, o processo tem atendido cerca de 120 vistorias digitais por dia. A insurtech americana Tracteable, especializada em diagnósticos por imagens, tem sido procurada pelas maiores seguradoras globais, inclusive brasileiras, desde o início da pandemia, diz o chefe de desenvolvimento de negócios para Ibéria e América Latina, Gabriel Nieto. Segundo o executivo, a covid-19 “criou uma maior urgência no mercado para tecnologia virtual”.
A Tracteable utiliza um sistema com base em inteligência artificial para analisar um banco com milhões de imagens. Com isso, a IA tem capacidade de avaliar em segundos o grau de danos em uma colisão de carros, o custo do reparo e até encaminhar o usuário para a oficina mais próxima. “Para nós o impacto da pandemia ressaltou uma tendência específica de busca por soluções de inteligência artificial, que traz uma grande agilidade nos processos que é o que os consumidores querem.”
Outra insurtech, a brasileira Planetun, especializada em soluções de vistorias remotas por vídeo, também viu a demanda por suas ferramentas ser impulsionada com o isolamento. No primeiro trimestre de 2020, a startup registrou crescimento de 111% na receita, quando comparada ao mesmo período de 2019. Em relação ao quarto trimestre de 2019, o aumento foi de 45%.
“O cenário após a pandemia ainda é incerto, mas nossa expectativa para 2020 segue positiva baseada na aceleração da demanda por tecnologias móveis”, afirma o CEO da Planetun, Henrique Mazieiro. A televistoria permite fazer as análises de sinistros ao vivo, mas à distância. As capturas realizadas ficam salvas em uma plataforma própria, a WorkFlow Mobi. A solução atende diversos ramos de seguro, como automotivo, residencial, vida e previdência, náutico, patrimonial e transporte.
Com a crise do coronavírus, a Sura também decidiu acelerar o lançamento de um novo modelo, que torna mais flexível o processo de contratação e as próprias coberturas. A seguradora criou uma plataforma de seguro sob demanda. A ideia é tornar os produtos disponíveis por meio de aplicativos de delivery, bancos digitais, apps de telefonia e outros canais digitais.
Além da facilidade de se adquirir a proteção, em qualquer lugar e a qualquer momento, os produtos serão oferecidos com condições e períodos montados pelo próprio usuário. Por exemplo, uma cobertura de um dia para proteção de equipamentos em lugar de contratar pelo ano todo. “Cada distribuidor vai trabalhar com a Sura e a Trov de forma diferente, o produto vai ser desenvolvido de acordo com as características e interesses desse parceiro. Nos próximos três anos podemos triplicar o número de clientes com esse tipo de parceira”, afirma o CEO da Sura, Thomas Batt. A nova plataforma foi desenvolvida por meio de uma parceria com a insurtech americana Trov, especializada em tecnologia para seguros sob demanda.
“A pandemia tem funcionado como catalisador de uma mudança no comportamento dos consumidores, ou seja, o mundo que vivemos a partir de agora se baseia em três pilares: primeiro ser digital, segundo ter o consumidor no centro e terceiro ser infinitamente flexível”, afirma Scott Walcheck, fundador e CEO da Trov. O executivo cita como exemplo uma solução lançada pela startup na Austrália que monitora e identifica quando o usuário muda o meio de transporte. Assim, o valor do prêmio é reduzido e as proteções acionadas se adaptam ao tipo de veículo ou serviço utilizado, seja uma bicicleta, patinete ou aplicativo.