Valor Econômico – 15 de Junho de 2020

As medidas para a contenção da covid-19 têm afetado a indústria de seguros de maneiras pouco previsíveis. Um dos produtos mais populares, a cobertura de veículos tem sofrido com a queda das vendas e menor utilização de automóveis em todo o mundo, destaca o Valor Econômico.

Mas, ao mesmo tempo, o isolamento impulsiona o interesse por produtos sob demanda e, com isso, tem acelerado o lançamento de apólices auto na modalidade “liga e desliga” no Brasil. “No exterior, há seguradoras devolvendo prêmios pagos pelos seguros de carros, porque as pessoas pararam de usar veículos por conta do ‘lockdown’”, cita Omar Ajame, fundador e CEO da TEx Tecnologias, uma das principais fornecedoras de soluções de análise de dados, automação e processos digitais para corretoras e seguradoras no Brasil.

Um levantamento da TEx indica um cenário similar no Brasil ao de outros mercados globais. A pesquisa considera os resultados obtidos pela solução de análise de dados da insurtech, a TEx Analytics, presente em oito das dez maiores seguradoras brasileiras. Os números levam em conta ainda as informações que circulam pela ferramenta de multicálculo Teleport, responsável pela operacionalização de venda de 10% das apólices auto do país.

Como consequência da contenção, houve um recuo de 60% da contratação de novos seguros auto. “O crescimento orgânico de novos seguros auto praticamente zerou porque a economia está parada e a venda de novos veículos caiu mais de 70%, segundo os representantes da indústria automobilística”, aponta Ajame. A maior parte dos negócios fechados no segmento se restringe às renovações. A busca por novos seguros auto em geral teve uma retração de 30%.

O levantamento da TEx mostra ainda que as seguradoras reduziram em 7,5%, na média, o valor das renovações. Por outro lado, com um menor deslocamento por conta das medidas de contenção, os sinistros de automóveis caíram, aponta o gerente de inteligência de mercado da TEx, Genildo Dantas.

Segundo o especialista, os dados da insurtech mostram que as colisões diminuíram 65% e roubos e furtos retraíram 40% durante o período de quarentena. Um dos efeitos da mudança de comportamento é o aumento de procura de produtos “pay per use” ou “pague pelo uso”, em tradução livre. “Existe uma tendência de procura de seguros mais proporcionais ao deslocamento e, como o deslocamento está zerado, as pessoas começam a pensar nesses produtos que cobram por quilômetro ou pelo tempo de uso”, pondera Dantas.

De fato, segundo o CEO da ThinkSeg, Andre Gregori, uma das pioneiras na oferta de seguro sob demanda, “tivemos um aumento de 250% de busca pelo ‘pay per use’ pelo nosso marketplace Bidu em maio”. Para o executivo da insurtech, “é um produto feito justamente para as pessoas que utilizam menos o veículo e, com o isolamento, fica evidente o apelo desse produto”. A ThinkSeg prepara-se para voos ainda mais altos.

De acordo com Gregori, a insurtech está “em conversas aceleradas com empresas de aluguel de auto e montadoras que querem estender o pay per use a toda frota”. A mesma percepção tem levado outras casas a acelerar os lançamentos. A Argo vai apresentar nos próximos dias o Instant, um seguro auto com contratação pelo uso e sob demanda. O produto, por exemplo, pode ser contratado por apenas 24 horas, antes de o usuário pegar a estrada.

“O projeto existe desde o ano passado após a Susep autorizar o seguro intermitente em agosto, mas com a pandemia a gente decidiu acelerar o lançamento, porque vimos que esse produto casa com a necessidade no Brasil de um público muito grande que não conta com nenhuma proteção”, afirma o CEO da Argo, Newton Queiroz. Com o Instant, a Argo pretende alcançar um público que tem estado fora do radar das seguradoras tradicionais, de veículos com valor de mercado até R$ 30 mil. “Muita gente simplesmente não tem seguro para seu automóvel por conta do preço”, afirma Queiroz. “O pague pelo uso resolve essa questão, além de trazer flexibilidade ao usuário de contratar só quando necessita.” O novo produto também se diferencia dos concorrentes porque não cobra uma mensalidade mínima, com acréscimo de valor proporcional à distância rodada.

Segundo o CEO da Argo, o custo ao usuário será pelo período contratado, ou seja, pelo tempo que a proteção permanecer ligada. Por meio de um aplicativo para smartphone, o usuário liga e desliga a cobertura. “Antes de viajar, o cliente vai acionar o seguro pelo app, indicando seu ponto de partida e o destino”, explica o diretor de operações e TI, Bruno Porte. “O seguro cobrirá todo o trajeto, ou seja, a estrada ou rodovia, além de parte do perímetro urbano, por 24 horas. O preço final vai depender do valor de tabela do veículo.”

De acordo com o executivo, com o Instant, a Argo busca uma estratégia inclusiva, ou seja, atrair clientes que atualmente estão de fora do mercado. Queiroz acrescenta ainda que o pay per use será estendido a outras coberturas no futuro. “É o primeiro de uma série de produtos que a gente deseja colocar no mercado nessa opção de pagar pelo uso.”

A Youse, plataforma de venda de seguros on-line da Caixa Seguradora, também começou a testar uma modalidade de seguro auto com cobrança por quilômetro. O “Auto por KM” funciona no modelo de “pay as you drive” ou “pague o quanto dirigir”. O formato, uma variação do pay per use, prevê o pagamento de uma mensalidade mínima fixa somada à quilometragem percorrida. A distância percorrida é calculada por meio de um rastreador, segundo a plataforma. “No primeiro momento, vamos conduzir os testes com cerca de 200 clientes em etapa de renovação do seguro e ex-clientes que já possuam rastreadores”, explica a especialista de produtos na Youse, Camila Rodrigues. A previsão da insurtech é oferecer o produto ao público em geral nos próximos meses.

Fonte:

https://www.sindsegsp.org.br/site/noticia-texto.aspx?id=32805