O encontro anual de Baden-Baden, na Alemanha, de 19 a 23 de outubro, tradicional espaço para discutir as renovações de contratos de resseguro na Europa, acontece neste mês em clima de expectativa. A pauta do mercado internacional reflete a transição de ciclo vivida pelos resseguradores: depois de dois a três anos de forte endurecimento, com aumentos de dois dígitos que devolveram rentabilidade ao setor, o mercado agora se encontra em trajetória de suavização. Os preços estão “flat” — sem altas ou quedas abruptas —, trazendo um alívio cauteloso em meio à instabilidade global de juros, geopolítica e economia.
Se o encontro de Monte Carlo, realizado em setembro, foi marcado por especulações, Baden-Baden costuma traduzir em negociações concretas o que se debateu semanas antes. Mas a diferença central é o calendário: outubro é historicamente o mês mais tenso para os resseguradores, porque a temporada de furacões do Atlântico Norte, que se encerra em novembro, está em seu auge. “É quando todos ficam de vela acesa, esperando que nada grandioso aconteça. Um único evento pode mudar completamente o humor e o preço das renovações”, afirma Pedro Farme, CEO da Guy Carpenter no Brasil.
O ano de 2025 já entrou para a história como um dos mais desafiadores para a indústria global. Em janeiro, incêndios florestais devastaram a região metropolitana de Los Angeles, deixando prejuízos segurados entre US$ 50 bilhões e US$ 80 bilhões. Desde então, as catástrofes naturais seguiram uma curva mais típica, levando analistas a projetar perdas totais em torno de US$ 150 bilhões no ano — patamar que se tornou o “novo normal”.
A temporada de furacões, no entanto, pode virar a mesa. Em setembro, o furacão Milton nasceu no Golfo do México e, em vez de seguir para o nordeste dos EUA, desviou à direita e atingiu a Flórida. “Esses fenômenos não impactam apenas o mercado americano, mas também os resseguradores com exposição na América Latina, que são fundamentais para o Brasil”, observa Farme.
Brasil já não é imune a catástrofes
Por décadas visto como um país de risco climático baixo, o Brasil passou a viver catástrofes de grande escala, como mostrou a tragédia no Rio Grande do Sul em 2024. O episódio deixou perdas econômicas superiores a R$ 100 bilhões, sendo R$ 6 bilhões em indenizações seguradas em linhas que foram do prestamista ao seguro de concessões e aeroportos.
Mais recentemente, em setembro deste ano, ventos intensos destruíram a fábrica da Toyota em Porto Feliz (SP). Apesar da gravidade, o impacto foi limitado porque a unidade tinha menos fornecedores locais do que outras plantas da montadora. Se fosse em Sorocaba, onde há um polo industrial, o efeito seria muito maior. “Esse tipo de destruição total por vento é inesperado, assim como ninguém esperava o que ocorreu no RS”, diz Farme.
A sucessão de eventos tem reforçado o interesse de resseguradores internacionais pelo mercado brasileiro. “O país já chegou a uma saturação na atividade primária. Agora, ter riscos catastróficos aumenta a demanda por resseguro, porque há mais negócios sendo feitos. Isso tem atraído novos players para a região”, avalia o executivo.
Mais do que os riscos climáticos, porém, o foco dos executivos no Brasil está na adaptação ao novo marco legal dos seguros, que entra em vigor em dezembro de 2025. A lei pode mudar o equilíbrio entre seguradoras, clientes e reguladores, elevando o grau de litigiosidade e exigindo novos parâmetros de precificação. “Os que já operam no Brasil sentem o desafio de se adaptar, enquanto os novos entrantes já chegam moldados à nova lei”, explica Farme.
Na prática, os contratos automáticos continuam com prazos de 12 meses, mas nos resseguros diretos e facultativos há maior procura por renovações de prazo mais longo, justamente para mitigar a incerteza. O aumento surpresa do IOF sobre o resseguro, anunciado neste ano, também entra na conta. “Ainda que o mercado não esteja focado nisso agora, o fato é que a soma do IOF com o marco legal pressiona custos e exige rediscussão das condições para 2026”, completa.
A entrada de novos resseguradores e MGAs (agências de subscrição) no Brasil e na América Latina, como Fidelis e Convex, tem ajudado a sustentar preços estáveis, mesmo diante das pressões. “Esse movimento funciona como contrapeso: ainda há incertezas, mas a chegada de capacidade adicional garante a continuidade de um mercado flat — sem redução e sem aumento relevantes”, afirma o CEO da Guy Carpenter.
Segundo ele, a expectativa é que o Brasil viva uma fase de maior litígio do que no passado, ainda que distante do nível observado nos EUA. “Nos primeiros anos de adaptação à lei, certamente teremos discussões mais longas e desafiadoras. Mas, com o tempo, o mercado tende a se ajustar”, avalia.
O saldo, até aqui, é de estabilidade aparente. O Brasil tem seguradoras capitalizadas e com apetite para reter riscos, enquanto o mercado global parece se ajustar de forma gradual à virada do ciclo. Mas a sensação geral é de uma “calmaria tensa”, como resume Farme: “Vivemos um momento em que há muitas panelas cozinhando ao mesmo tempo. Isso dificulta prever o que pode acontecer. Tudo vai depender do que outubro nos reserva”.
M&A, corretores de resseguro, capital alternativo e AI
Segundo observações da McKinsey & Company sobre o evento de Monte Carlo, as fusões e aquisições perderam força nos últimos anos no setor de resseguros, reflexo de um desaquecimento mais amplo da atividade de mercado. Mas em Monte Carlo, esse foi novamente um dos principais temas, à medida que organizações buscam os benefícios da escala. Dois anúncios recentes, às vésperas do RVS, despertaram ainda mais interesse: a aquisição da Aspen Holdings Inc., de Bermudas, pela japonesa Sompo Holdings, por US$ 3,5 bilhões, e a compra da Apollo Group Holdings, especialista do Lloyd’s, pela Skyward Specialty Insurance Group, por US$ 555 milhões. Ambos os negócios têm foco em resseguro e sinalizam apetite por inovação, crescimento e modelos alternativos. Nas conversas em Monte Carlo, vários executivos já especulavam sobre os próximos movimentos.
O mercado de corretagem de resseguros era dominado por dois ou três grandes grupos, mas esse cenário mudou com a consolidação de players menores em busca de escala. Hoje, os cinco maiores respondem por cerca de 85% das colocações globais. Embora o ranking dos cinco principais não tenha mudado no último ano, os corretores em 3º, 4º e 5º lugares crescem de três a cinco vezes mais rápido que os dois primeiros. O resultado é um ambiente mais competitivo, que exige atenção redobrada dos líderes e beneficia todo o mercado.
Em um mercado com capital total estimado em US$ 800 bilhões, o capital alternativo — de investidores fora do setor de seguros — já representa cerca de 15%. Inicialmente visto com preocupação pelos incumbentes, ele hoje está consolidado como parte do tecido da indústria. Muitos grupos passaram, inclusive, a diversificar receitas com taxas de administração sobre esse capital de terceiros. A grande dúvida era o que aconteceria quando o ciclo de resseguro mudasse. A resposta parece ser: nada mud. O capital alternativo continua crescendo em linha com o mercado, deixando de ser ameaça e passando a ser complemento de capacidade.
Atualmente, é quase impossível realizar um evento de serviços financeiros sem que a Inteligência Artificial domine o debate — e no resseguro não foi diferente. Em Monte Carlo, falou-se muito sobre como a IA pode impactar modelos operacionais, elevando eficiência e eficácia. O grande diferencial da IA generativa — e agora da chamada agentic AI — é lidar com grandes volumes de dados não estruturados, automatizando etapas de coleta e verificação de informações. Já é possível treinar agentes de IA para preparar casos completos antes mesmo de chegar ao olhar humano. Isso abre caminho para um salto de produtividade, e já há pilotos relevantes sendo testados. No entanto, permanecem questões em aberto, como a escassez de talentos, o impacto em empregos e a real capacidade de gerar valor financeiro. Como em outros setores, ainda é cedo para conclusões definitivas.