Entenda como funciona a energia eólica offshore, que é gerada no mar

Decreto do governo federal sobre o tema é visto por especialistas como primeiro passo e deve ajudar setor a crescerEnergia eólica offshore já é usada na Europa e na Ásia

CNN Brasil Business – João Pedro Malar – em São Paulo09/02/2022 às 04:30 | Atualizado 09/02/2022

Essa forma de energia é mais disseminada na Europa e na Ásia, mas começa a dar seus primeiros passos no Brasil, com pedidos de autorização para parques eólicos no mar e um decreto do governo federal permitindo esse tipo de geração.PUBLICIDADE

Segundo especialistas consultados pelo CNN Brasil Business, o potencial brasileiro de geração eólica offshore é “único”, e o país pode ter grandes benefícios com a expansão pensando na diversificação de sua matriz elétrica.

Por outro lado, o decreto do governo federal ainda é um movimento inicial, e serão necessárias outras medidas para permitir sua implementação. Entenda:

Como funciona?

A principal distinção entre a eólica onshore e a eólica offshore é o local em que a turbina com pás ficará instalada – em terra ou no mar. Segundo Segen Estefen, professor da UFRJ, a energia eólica offshore se tornou um “próximo passo” conforme o tamanho das turbinas foi aumentando, assim como o potencial de geração.

Em terra, a capacidade máxima de geração das turbinas chega a 5,6 megawatts (MW). Em mar, há projetos apontado uma capacidade de quase o dobro, 12 MW, e alguns testes chegam a 15 MW.

“Quando cresce muito a potência da turbina, paralelemente tem que aumentar os tamanhos das pás, que atingem hoje envergaduras de até 100 metros, e precisam ter estruturas tendo que suportar pás nesse comprimento. Isso fica inviável para transporte em terra, por transporte rodoviário ou ferroviário”, diz.

A alternativa, então, é instalar a turbina em áreas mais amplas e de transporte mais simples, como o oceano. A partir daí, o princípio é o mesmo, as pás giram com o vento e movem um rotor, que então gera a energia.

Outra vantagem da eólica offshore, afirma Estefen, é que os ventos no mar encontram obstáculos menores. “Não tem montanhas, por exemplo, que barram a ação dos ventos, então, normalmente as condições são de maior intensidade e constância na atuação dos ventos”.

No mundo, já existem hoje parques eólicos offshore na Europa e na Ásia, em geral até um limite oceânico de 80 metros de profundida. Nelas, as turbinas são instaladas com pilares que vão até o fundo do mar.Maior parte dos parques eólicos offshore possuem pilares no mar / AnetteBjerg / Pixabay

Acima disso, é necessário usar estruturas flutuantes, semelhantes às de plataformas de petróleo, mas a maioria ainda está em fase de testes. “Isso deve ser o futuro, porque grande parte do potencial eólico está em águas com profundidade maior que 80 metros”, diz o professor.

Já a transmissão ocorre por meio de cabos submarinos, permitindo a integração com sistemas de transporte de energia em terra.

Estefan avalia que o custo da infraestrutura para a eólica offshore vem caindo, conforme vão se formando cadeias de fornecedores com uma garantia de demanda, além de uma curva de aprendizado que facilita novidades tecnológicas e um consequente barateamento.

Em geral, ele afirma que as estruturas em mar demandam mais cuidados, em especial com corrosão, o que também traz mais custos para os investimentos. Entretanto, a perspectiva é que o potencial elevado de geração compense esses custos.

“Os investimentos são grandes, porque para trabalhar no mar precisa de músculos adicionais, tanto é que muitas das empresas hoje interessadas nessa tecnologia são empresas do setor elétrico de grande porte, e as de petróleo offshore que veem a eólica offshore como oportunidade de migração para o baixo carbono”, afirma.

Elbia Gannoum, presidente-executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), diz que a base tecnológica dos dois tipos de energia eólica é a mesma.

A energia eólica offshore tem chamado atenção em algumas regiões principalmente pela capacidade de geração muito maior em mar do que em terra. Na Europa, por exemplo, o potencial em terra é de 30%, enquanto no mar chega a 70%. Com esse alto potencial e a necessidade dos países migrarem para fontes renováveis mantendo suas demandas de energia, ela surgiu como alternativa com muito potencial.

“Nos últimos anos, o investimento tem crescido. Em 2021, um relatório mostrou que a capacidade instalada de energia eólica bateu recorde, com 93 GW adicionais, e 6 GW já são de offshore. A curva de crescimento indica expansão”, afirma.

Uma das empresas que tem investido nessa forma de energia é a Ocean Winds, uma joint venture da francesa Engie e da EDPR.

José Partida, gerente de desenvolvimento de negócios da OceanWinds, afirma que “a offshore é uma das tecnologias de mais rápido crescimento hoje. O uso está aumentando principalmente na Europa, China e Estados Unidos, até devido à transição energética”.

Potencial do Brasil

Especificamente no caso do Brasil, Gannoum aponta que a diferença de capacidade entre a onshore e offshore é menor. No Nordeste, principal região produtora onshore, as turbinas já chegam a 60% de capacidade devido aos ótimos ventos da região. Na offshore, chegariam a 80%.

Esse foi um dos fatores que fez com que a chegada da offshore no Brasil demorasse mais. Pela diversidade de recursos renováveis, foi possível explorar primeiro outros mais baratos, caso das hidrelétricas, e então solar e eólica onshore quando os custos caíram.

“É um luxo de um país rico de recursos renováveis esperar esse amadurecimento e viabilidade econômica, e é isso que ocorre agora. Os custos de produção estão caindo, tal como eólica onshore e solar, e está em um patamar que fica interessante para o Brasil”, afirma.

  • 1 de 8As energias renováveis se tornaram uma tendência nas últimas décadas, vistas como uma das ferramentas essenciais no combate às mudanças climáticas. Confira os sete tipos de energia renovável que existem atualmente, e como elas funcionamCrédito: Getty Images
  • 2 de 8A energia hidráulica é gerada a partir da água de rios, quando ela movimenta uma turbina. Em geral, ela é produzida nas chamadas usinas hidrelétricas. As usinas podem ser de dois tipos: as com reservatório (como a de Itaipu) e as de fio d’água, que não possuem reservatório e o volume depende do regime de chuvas (como a de Belo Monte)Crédito: Washington Alves/Reuters
  • 3 de 8No caso da energia eólica, a produção ocorre quando o vento move pás de grandes turbinas. As mais comuns são as turbinas onshore – em solo – mas já existem também as offshore, localizadas em mares e oceanosCrédito: Foto: Laurel and Michael Evans / Unsplash
  • 4 de 8A energia solar é dividida em dois tipos: a fotovoltaica (mais comum) e a heliotérmica. Na fotovoltaica, a luz solar incide em painéis, ou placas, que conseguem converter o calor em energia. Já nas heliotérmica, o sol incide em espelhos que direcionam a luz para um ponto com água. A água vira vapor, que, então, gira uma turbina e gera eletricidadeCrédito: Amanda Perobelli/Reuters
  • 5 de 8A energia oceânica pode ser gerada a partir de diversas formas, mas sempre nos oceanos. É possível gerar energia a partir do movimento das ondas, pela variação de temperatura entre a superfície e o fundo do mar, pelas correntes oceânicas, por um processo de osmose entre a água salgada e a doce ou pelo movimento das marés. As ondas e marés são, hoje, as principais formas, com a ideia de usá-las para mover turbinas e, então, gerar energiaCrédito: Picasa/Coppe-UFRJ/Divulgação
  • 6 de 8Ainda mais no campo das ideias do que com uso prático, o chamado hidrogênio verde é uma energia renovável que deve ganhar força nos próximos anos, como substituto de combustíveis fósseis nos setores de transporte e indústria. Produzido a partir da água, ele é colocado em células, que realizam um processo químico que gera energia e produz vapor d’águaCrédito: Getty Images/Santiago Urquijo
  • 7 de 8A biomassa, termo que se refere a qualquer tipo de matéria orgânica, pode ser usada na geração de energia. É possível aproveitar os gases gerados na decomposição dessa matéria, como no caso do lixo orgânico, como fonte de energia, ou então queimar a biomassa, usá-la para aquecer a água e usar o vapor para mover turbinas, gerando eletricidade. No Brasil, a principal biomassa usada como fonte elétrica é o bagaço de cana-de-açúcarCrédito: Marcelo Teixeira/Reuters
  • A energia renovável geotérmica é a mais distante da realidade brasileira. Isso acontece porque, nesse tipo, a energia é gerada a partir do uso de água quente e vapor localizados no subsolo de áreas vulcânicas ou de encontro de placas tectônicas, que, então, passam por um gerador e são convertidas em energia elétricaCrédito: Getty Images/ Brian Bumby

Para ela, o potencial brasileiro de geração offshore é “praticamente infinito”, e esse tipo de energia deve ser importante para diversificar a matriz elétrica, reduzindo a dependência de uma única fonte.

Um estudo da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) aponta que o Brasil teria um potencial de geração de 700 GW pela eólica offshore considerando apenas até 50 metros de profundidade. Hoje, o país tem 170 GW instalados.

Mesmo assim, isso não significa que todo esse potencial seria alcançado. A região oceânica também tem outros usos em alguns locais que precisariam ser respeitados, como rotas marítimas, e é necessário também ter uma licença do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para evitar danos ambientais nas áreas de instalação.

Estefen afirma que “na costa brasileira, existem regiões sensíveis à instalação de turbinas, por diversas razões, não só ambientais. Por exemplo, evitar regiões onde se encontra produção de petróleo para não ter conflito de ocupação de área”.

“Quando vai para a parte ambiental, precisa preservar regiões onde têm a sensibilidade do solo em relação à biota marinha, os recifes naturais onde ocorre a reprodução, e áreas costeiras que costumam ter uma grande riqueza de fauna e flora. Tudo isso tem que ser mapeado, e há o problema de evitar as rotas migratórias de aves e animais de grande porte, como baleias”, diz.

De acordo com o professor, o potencial considerando toda a profundidade das águas brasileiras chega a 3 terawatts (TW, sendo que 1 TW equivale a 1.000 GW), mas nunca será possível aproveitar tudo isso.

Mesmo assim, ele avalia que o Brasil tem uma das melhores condições do mundo para a instalação de parques eólicos offshore. “São regiões bem propícias, como o Nordeste, ou o norte fluminense e a região Sul, onde deve ocorrer em profundidas maiores que 50 metros, possivelmente sendo necessário os sistemas flutuantes, que ainda são um passo além”.

O Ibama aponta que existem, hoje, 36 pedidos para licenciamento de parques eólicos, localizados nos estados de Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Espírito Santo, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. Eles totalizam 80 GW de potencial.

Para Partida, o potencial brasileiro é “único” devido a uma grande costa com águas pouco profundas, ideal para estruturas fixas, mais baratas que as flutuantes. Outra vantagem é a quantidade de cidades grandes na costa, facilitando o transporte de energia.

Segundo ele, “o recurso offshore é muito grande também em outros países, mas a melhor coisa do Brasil é que toda a costa é perfeita para fundações fixas, em outros países é mais limitada”.Necessidade de transição energética estimula energia eólica offshore / Zoltan Tasi/Unsplash

Decreto sobre eólicas offshore

Para que esse potencial seja aproveitado, porém, o setor ainda precisa de segurança jurídica. O decreto publicado pelo governo federal vai nesse sentido.

“Hoje, várias empresas podem submeter projetos para a mesma área, então, o decreto regulamenta esse processo, por exemplo com oferecimento de áreas, similar ao petróleo e gás, com competição para obter as licenças e depois submeter ao Ibama”, afirma Estefen.

O texto oferece duas modalidades para a exploração de áreas. A primeira é oferecimento pelo governo, e a segunda é uma proposta da própria companhia. “O decreto explicita um prisma para a instalação dos parques”, avalia.

Segundo a presidente da Abeeólica, o marco regulatório sinaliza que o Brasil pode ter offshores e vai criar mecanismos regulatórios para que isso aconteça, o que é um “sinal positivo, um ponto de partida”.

“O marco regulatório que tem a diretriz geral e aí ela é detalha por meio de portarias, resoluções. Do lado privado, serão necessários os desenhos dos modelos de projetos, trazer interessados, fabricantes, estruturar o mercado”, diz, caracterizando o processo como uma “corrida”.

Gannoum estima que, com licenças distribuídas até 2022 e primeiros leilões de áreas em 2023, os projetos levariam de cinco a sete anos para estarem prontos, em torno de 2030. Ao mesmo tempo, a proporção da participação da energia eólica offshore depende do crescimento econômico dos próximos anos.Brasil possui potencial para eólica offshore, mas ainda é necessário avançar em regulação / ELG21 / Pixabay

Partida, da Ocean Winds, também vê o decreto como um primeiro passo positivo, indicando que as autoridades estão trabalhando para ter uma regulamentação do setor.

“O decreto é muito positivo para o setor, um primeiro marco regulatório. Entra em vigor em 15 de junho, e aí o ministério tem 180 dias para definir as normas complementares finais. É importante para os planos de negócios”, diz.

Já Estefen afirma que, apesar do texto, ainda resta “muita coisa para ser feita”. “O nome chave para isso é o gerenciamento do espaço marinho, algo extremamente avançado no mundo e que no Brasil abre a perspectiva de maiores investimentos na chamada economia azul, que hoje é responsável por aproximadamente 20% do PIB brasileiro, pelo petróleo, turismo, pesca, transporte marítimo”.

“Esse gerenciamento é extremamente importante para que as várias atividades que possam trazer investimentos tenham segurança jurídica, e evitem que projetos venham a ter conflitos, perspectiva de maior consolidação do interesse de empresas e investimentos no mar, o chamado PIB do mar, que tem potencial para subir”.