Notícias | 28 de abril de 2021 | Fonte: Folha S. Paulo
Bolsonaro disse que farmacêutica não se responsabilizaria por efeito adverso; após atrasos, ministério mudou de postura
Após criticar a Pfizer em dezembro, janeiro, fevereiro e março, em razão de exigências relacionadas a eventuais efeitos adversos da vacina, o governo de Jair Bolsonaro pagou por um seguro internacional para cobrir a responsabilidade em casos de eventos adversos do imunizante. O mesmo foi feito para a vacina da Janssen. Ambas ainda não foram entregues ao governo.
Os pagamentos somam R$ 10,3 milhões, dinheiro depositado para a empresa inglesa de seguros Newline Underwriting Management Limited. As ordens bancárias foram emitidas pelo Ministério da Saúde em 30 de março.
No dia seguinte, o governo antecipou o pagamento por 20% das doses de vacinas da Pfizer, com um depósito de R$ 1,14 bilhão. A Janssen recebeu R$ 536,7 milhões antecipados em 25 de março.
O pagamento de R$ 1,7 bilhão com antecedência, antes mesmo da existência de uma previsão de entrega dos imunizantes, foi revelado pela Folha no último dia 17.
O Ministério da Saúde contratou, em 18 de março, 100 milhões de doses da Pfizer. Outros 38 milhões de doses foram comprados da Janssen.
O primeiro lote da primeira farmacêutica deve chegar ao Brasil, no Aeroporto de Viracopos, em Campinas (SP), na quinta (29). Trata-se de 1 milhão de doses, ou 1% do previsto. Não há previsão para entrega da vacina da Janssen, que é em dose única.
Bolsonaro, por reiteradas vezes, usou como desculpa para rejeitar a vacina da Pfizer a exigência de que o governo arcasse com a responsabilidade civil em caso de efeitos colaterais do imunizante. O presidente fez sucessivas críticas nesse sentido de dezembro a março.
Foi com esse discurso que o chefe do Executivo fez a afirmação sobre imunizados virarem “jacaré”. Num evento público em Porto Seguro (BA), em 17 de dezembro, o presidente afirmou que a Pfizer não se responsabilizaria por efeitos colaterais.
“Se tomar e virar um jacaré é problema seu. Se virar um super-homem, se nascer barba em mulher ou homem falar fino, ela [Pfizer] não tem nada com isso”, disse na ocasião.
A postura de Bolsonaro levou a um atraso de sete meses para a contratação da aquisição de vacinas da Pfizer.
A primeira proposta foi feita pela farmacêutica ainda em agosto de 2020, com possibilidade de entrega de um primeiro lote em dezembro. A posição do governo em relação às vacinas será investigada na CPI da Covid, recém-instalada no Senado.
Depois da protelação, o governo pagou antecipadamente por vacinas da Pfizer e da Janssen. Pagou também por um seguro internacional para arcar com eventuais responsabilidades civis. E, até agora, não tem em mãos um cronograma claro de entrega de imunizantes pelas duas farmacêuticas.
A aquisição de seguro para as vacinas da Pfizer custou R$ 6 milhões, segundo extrato da contratação publicado no Diário Oficial da União. O seguro para o imunizante da Janssen custou R$ 4,3 milhões. A mesma empresa atende às duas exigências.
A contratação dos imunizantes foi feita com base em cláusulas sigilosas.
O Ministério da Saúde não dá detalhes sobre a extensão do seguro internacional contratado, sobre as razões para a escolha da empresa internacional e sobre o valor exato dos contratos.
No contrato com a Pfizer, tornado público pelo ministério apesar do acordo de confidencialidade, existe uma cláusula em que a pasta reconhece que a vacina e componentes relacionados “estão sendo desenvolvidos rapidamente devido às circunstâncias de emergência da pandemia”.
“O comprador reconhece que a eficácia e os efeitos a longo prazo da vacina ainda não são conhecidos e que pode haver efeitos adversos da vacina que não são conhecidos atualmente”, cita a cláusula.
Segundo o mesmo contrato, a Pfizer fará um seguro para cobrir responsabilidades sobre suas atividades. “Para fins de absoluta clareza”, cita o contrato, “isso não incluirá nem constituirá seguro de responsabilidade por produto para cobrir quaisquer reivindicações de terceiros/pacientes.”
O pagamento pelo seguro para arcar com responsabilidades civis, em casos de efeitos adversos das vacinas de Pfizer e Janssen, baseou-se em lei que entrou em vigor em 10 de março, conforme os extratos dos contratos publicados no Diário Oficial.
A lei, sancionada por Bolsonaro, foi aprovada pelo Legislativo a partir de projeto apresentado pelo presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
O projeto foi feito sob medida para a compra de vacinas como da Pfizer e da Janssen, ao permitir que União, estados e municípios assumam riscos em caso de “eventos adversos pós-vacinação”.
O parágrafo 1º do artigo 1º, que embasa a contratação do seguro, permite a contratação de seguro privado nacional ou internacional para a cobertura dos riscos na vacinação.
À Folha o Ministério da Saúde afirmou, em nota, que se baseou na lei oriunda do Senado para aderir às apólices de seguro.
O objetivo é “ter assistência em casos de efeitos adversos das vacinas da Pfizer e da Janssen”. “São os únicos contratos celebrados que condicionaram as entregas das doses à emissão da apólice”, disse.
Segundo o ministério, a empresa contratada apresentou melhor custo e proteção ao governo, “além de ter capacidade técnica para assumir todas as exigências contratuais”.
A Pfizer, em nota, disse que não comenta detalhes do contrato em razão do acordo de confidencialidade. “As cláusulas estão em linha com os acordos fechados em outros países”, afirmou.
A farmacêutica disse que, desde a assinatura do contrato em março, atua com o Ministério da Saúde “para que nossa vacina seja mais uma ferramenta no combate à pandemia no país”.
A Janssen também afirmou que não comenta termos do contrato por questões de confidencialidade.