Valor Econômico – 31 de Maio de 2021
Os resultados do primeiro trimestre de 2021 das seguradoras e operadoras de planos de saúde que publicaram balanços retratam o impacto financeiro que a segunda onda da covid19 provocou, com mais jovens infectados, ocupando por mais tempo leitos de UTI, e a retomada de procedimentos de rotina.
Com exceção da Bradesco Saúde, cujo lucro líquido saltou 72,5%, de R$ 182 milhões para R$ 314 milhões, puxado por receita financeira, os números encolheram em outras quatro companhias, até o fechamento desta edição: a Notredame Intermédica registrou prejuízo de R$ 27,9 milhões; na Hapvida, o resultado líquido de R$ 151,8 milhões recuou 7,7%; na SulAmérica, o lucro de R$ 54 milhões diminuiu 22,9%; e na Porto Seguro, os R$ 28,6 milhões representaram queda de 22,3%, na comparação com o primeiro trimestre de 2020.
Em número de usuários, o setor vem se recuperando, depois de perder 327 mil beneficiários de março a julho de 2020, fechando o ano com 47,6 milhões de clientes. Dados da Agência Nacional de Saúde (ANS) mostram que, em março de 2021, este número já somava 48 milhões. Os planos coletivos respondem por cerca de 81% do total.
Em 2020, a receita de contraprestações somou R$ 227 bilhões, ante R$ 217 bilhões no ano anterior. A diretora executiva da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), que representa as grandes seguradoras, Vera Valente, diz que o número de beneficiários cresceu em todos os tipos de plano e a taxa de inadimplência recuou, apesar do impacto da covid-19.
O aumento foi maior nos planos coletivos empresariais e entre os idosos. “Isso mostra que a pandemia colocou os planos de saúde em posição de prioridade na agenda de gastos das empresas e das famílias”, salienta.
As despesas, porém, registraram aumento. No caso da Notredame Intermédica, os gastos de R$ 264 milhões neste primeiro trimestre explicam o prejuízo, revertendo o lucro de R$ 152 milhões do mesmo período de 2020, conforme publicou o Valor em 14 de maio. Na SulAmérica, o gasto com despesas relativas à covid-19 em 2021 foi de R$ 384 milhões, quase a metade do que apurou em todo o ano passado.
Dados da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) mostram que o tempo maior de internação por parte dos jovens provocou um aumento de 38,5% no custo médio de cada paciente internado. Levantamento da FenaSaúde, também publicado pelo Valor, mostra que “os custos das quase 700 operadoras de planos de saúde do país com atendimento a pacientes da covid-19 somaram R$ 27 bilhões entre março de 2020 e abril deste ano”.
A estratégia das seguradoras e operadoras para enfrentar este cenário difícil segue basicamente a mesma receita: produtos mais acessíveis e regionais, opções para pequenas e médias empresas, maior foco no atendimento primário e acompanhamento do paciente, facilidades tecnológicas – como atendimento virtual – e expansão de redes próprias e credenciadas.
Aquisições, que aumentam a base de clientes, também entram na lista de estratégias para ganhar musculatura em um mercado competitivo. É o caso da Hapvida, que aguarda a aprovação pela ANS e pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) da operação de fusão com o Grupo NotreDame Intermédica (GNDI), que já investiu cerca de R$ 180 milhões desde o início da pandemia, no começo do ano passado. A fusão criará um gigante, com cerca de 13,6 milhões de beneficiários em planos de saúde e dental.
O mercado aguarda mudanças no marco legal dos planos de saúde, que completa agora 23 anos e precisa passar por aperfeiçoamentos que facilitem a oferta de produtos e que ajudem a conter os custos. Uma das prioridades defendidas pela FenaSaúde é a flexibilização das regras dos planos individuais, para diversificar e ampliar os tipos de cobertura que podem ser oferecidos, a chamada “modulação de produtos”.
Enquanto esperam, as empresas colocam em prática iniciativas para ganhar e fidelizar clientes. A SulAmérica, que encerrou 2020 com 4,2 milhões de beneficiários em saúde e odonto, criou uma família de planos, baseados numa espécie de “verticalização virtual”, que oferece rede médica regional. Voltados para pequenas e médias empresas e profissionais autônomos, estão disponíveis no Rio de Janeiro, São Paulo, Campinas, Curitiba, Recife, João Pessoa e Joinville.
Neste ano, chegará a outras regiões. Também lançou em 2021 um novo modelo de coparticipação para pequenas e médias empresas e reformulou a linha de planos de saúde com assistência hospitalar que, além de mais baratos, ainda contam com teleorientação médica e descontos em consultas, exames particulares e produtos farmacêuticos.
Atenta às oportunidades de aquisições e de ampliar sua presença no Sul, a empresa adquiriu, em setembro do ano passado, a carteira da Paraná Clínicas, com 90 mil beneficiários. Em março deste ano, foi a vez de assinar contrato com a Santa Casa de Misericórdia de Ponta Grossa (PR) para comprar uma carteira de 25 mil vidas, que serão agregadas à base de beneficiários da Paraná Clínicas. “A conclusão dessa transação está ainda condicionada à aprovação prévia dos órgãos reguladores”, diz Raquel Giglio, vice-presidente de saúde e odonto da SulAmérica.
A Bradesco Saúde, por sua vez, com mais de 3,6 milhões de beneficiários, cujos produtos são oferecidos exclusivamente para empresas, está investindo na transformação digital e reservou R$ 60 milhões para abrir, neste ano, dez unidades das clínicas Meu Doutor Novamed, em São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Salvador, prestando atendimento primário.
As 20 unidades já em operação no país realizaram mais de 19 mil atendimentos não agendados em 2020, 14,5% do total das consultas. A rede também lançou um serviço de telemedicina, que já contabilizou mais de dois mil atendimentos a distância, entre teleconsultas e telemonitoramento.
A operadora também busca crescimento via produtos regionais e mais competitivos. “O produto regionalizado se baseia na parceria com prestadores de referência em cada praça, fruto de um modelo de negociações, buscando maior previsibilidade dos custos, redução de desperdícios de recursos e a expectativa de reajustes menores”, diz o diretor-presidente da empresa, Manoel Peres.
No ano passado, a seguradora registrou aumento especialmente na carteira de pequenas e médias empresas. “Vale lembrar, entretanto, que o setor de saúde suplementar é pró-cíclico na medida em que é movido por emprego e renda”, salienta o executivo. Aproximadamente 160 mil empresas no Brasil possuem seguros da Bradesco Saúde e planos da Mediservice, controlada do grupo Bradesco Seguros.
Entre as chamadas insurtechs – startups de tecnologia dedicadas ao setor de seguros –, a Ciclic vem ganhando terreno na esteira do aumento do uso da telemedicina, derivado da pandemia. A empresa, fruto da parceria entre a BB Seguros e o Principal Financial Group, lançou, em junho de 2020, o produto Saúde Protegida, que cresce mais de 30% ao mês em 2021. “Fomos um dos primeiros a disponibilizar telemedicina por assinatura”, conta o CEO Raphael Swierczynski. Noventa por cento dos planos são vendidos para pessoa física, com média entre duas e três vidas protegidas.
Recentemente, a Ciclic deu a possibilidade de os clientes incluírem pets como dependentes no plano. Foi uma tacada certeira. “Hoje, a cada quatro novos planos vendidos, um inclui pelo menos um pet como dependente”, salienta Swierczynski.
Para a Abramge, que representa empresas de medicina de grupo, a estimativa é fechar 2021 com mais um milhão de beneficiários, já que desde meados do ano passado o setor vem somando mais clientes. “Pela primeira vez, 100% dos leitos hospitalares da rede privada foram ocupados. Soma-se a isso a inflação derivada do aumento mundial do consumo de insumos, equipamentos de proteção individual e dispositivos e medicamentos”, observa o novo presidente da Abramge, Renato Casarotti. Ele explica que a redução da sinistralidade observada em 2020 “impactará os índices de reajuste dos planos deste ano, que serão historicamente mais baixos”.
Já para 2022 a história será outra. Pela projeção de que os custos do primeiro trimestre de 2021 serão os mais altos da história da saúde, “esperam-se para o ano que vem reajustes relativamente mais altos”.
A Amil, controlada pelo americano United Heath Group (UHG), fez lançamentos mensais de produtos a partir do segundo semestre do ano. “Investimos, por exemplo, em produtos de abrangência regional, mas com o diferencial do atendimento de urgência nacional, telessaúde e cobertura de hospitais da rede própria”, diz o CEO da Amil, Edvaldo Vieira.
Apesar da perda de beneficiários no primeiro semestre de 2020, a Amil fechou a segunda metade do ano com um adicional de 200 mil e encerrou o ano passado com mais de 5,6 milhões de usuários entre planos médicos e odontológicos – a maioria em planos coletivos.
Segundo o executivo, para enfrentar a pandemia, a operadora ampliou estoques de itens de proteção individual, negociou a aquisição de insumos e equipamentos e ajustou a estrutura de triagem em pronto-socorro. Os quinze hospitais próprios, localizados no Rio de Janeiro e em São Paulo, dedicaram exclusivamente mais de 800 leitos para tratamento da covid-19 e mais de quatro mil profissionais foram contratados.
Também empenhada em fidelizar e atrair novos clientes, a Unimed-BH, com 1,3 milhão de usuários – seu melhor resultado em 50 anos de história – turbinou este número nos últimos meses, com a entrada de 72 mil novos clientes. A carteira é formada por cerca de 80% de planos coletivos e 20% de individuais. O êxito se deve a uma combinação de fatores: atuação estratégica durante a pandemia, retomada de vendas do plano Unifácil para clientes individuais, lançamento de um plano com custos reduzidos, criação de um e-commerce exclusivo para pequenas e médias empresas, soluções para microempreendedores individuais com apenas uma vida e marketing agressivo.
“Em 2020, a taxa de sinistralidade ficou em torno de 70%, apresentando uma queda em relação aos anos anteriores. O resultado é consequência da menor utilização dos serviços, principalmente em função da suspensão das cirurgias eletivas”, diz Samuel Flam, diretor-presidente da UnimedBH. No entanto, ele ressalta que existe uma demanda reprimida. “Isso tende a refletir em um aumento da taxa de utilização ao longo de 2021”, observa. A cooperativa tem 15 unidades próprias e cerca de 300 prestadores credenciados.
Caçula entre as operadoras de saúde, a Qsaúde nasceu em outubro do ano passado, em meio à crise sanitária, e já conta cerca de três mil clientes na cidade de São Paulo. Seu foco é o plano individual e familiar, resgatando o conceito do “médico de família”, com acompanhamento da jornada do cliente. Para tanto, fechou um acordo com a Clínica Einstein. Também adotou uma rede credenciada e parcerias com hospitais e marcas de medicina diagnóstica de ponta.
“Durante a pandemia, ficou evidente que ter hospitais de excelência faz total diferença no desfecho de doenças graves”, diz o CEO e fundador da Qsaúde, José Seripieri Junior. Embora voltada para o segmento individual, a empresa já está oferecendo, a partir de junho, produtos empresariais. “Temos um sinistro baixo. Isso é resultante do modelo de gestão de saúde dos clientes implantado na empresa”, diz o executivo.