Segundo a projeção da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), Curitiba tem 350 mil pessoas com 60 anos ou mais – 17,9% da população. No Brasil, são 29,9 milhões. Geriatra diz que pensar sobre instituições de longa permanência deve ser avaliado sem preconceito.
G1 – Por Lucas Sarzi, G1 PR — Curitiba – 01/06/2021 07h25 Atualizado há 9 minutos
No último ano, com a pandemia, a preocupação com os idosos tomou conta dos olhares de todos e acendeu um alerta. Isso porque, culturalmente, na visão de especialistas, brasileiros não costumam falar sobre o envelhecimento.
A projeção da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) indica que, em 2020, o número estimado de idosos no Brasil pode ter subido para 29,9 milhões. Em Curitiba, em 2020, seriam 350 mil pessoas com 60 anos ou mais, representando 17,6% a mais do que em 2010, quando eram 197.919 idosos.
A promotora Cynthia Maria de Almeida Pierri, que atua na defesa dos direitos da pessoa idosa de Curitiba, disse que enquanto sociedade, ainda há negligência com relação ao assunto.
“Vivemos como se nunca fôssemos envelhecer e acabamos sendo pegos desprevenidos, porque as pessoas não envelhecem da mesma forma. A legislação prevê que idoso é toda pessoa acima de 60 ano, mas dizem que os 60 são os novos 40. Temos idosos que estão no auge da capacidade produtiva, e tem pessoas que estão mais debilitadas”.
Para a geriatra Geraldine Guimarães, do Hospital Vita, pensar no envelhecimento é um grande tabu para os brasileiros. Falar sobre Instituições de Longa Permanência, então, é algo que praticamente toda família evita.
“A Holanda, por exemplo, tem até uma vila para idosos. Mas aqui a gente tem um grande preconceito. Apesar disso, estamos vendo o aumento do envelhecimento da população”.
Segundo a médica, falar sobre envelhecimento em casa deveria ser comum, principalmente, porque todos devem saber que este é o caminho natural de todos. Para a geriatra, as pessoas ainda não estão preparadas para envelhecer.
“Estamos nos preparando. Principalmente por sermos uma sociedade em desenvolvimento. Ainda temos que nos estruturar mais para essa questão. Precisamos nos organizar mais, principalmente, em políticas públicas para o envelhecimento do idoso”.
A psicóloga Alessandra Rego Barros afirma que a tendência das pessoas é pensar que os pais são eternos. “Nunca pensamos que vão depender da gente, e pensar nisso pode ser algo insuportável”.
A dificuldade de falar sobre o envelhecimento está diretamente ligada à questão do fim da vida. Mesmo assim, é importante que, cada vez mais, pais e filhos conversem sobre o futuro.
“Não estamos preparados para lidar com o envelhecimento, porque é algo que está a um passo da finitude. Mas é muito válido parar para pensar, porque é preciso ter uma programação. As coisas não são tão simples, ninguém envelhece com a mesma qualidade de vida até os 100 anos, muita coisa vem no pacote”.
Como destacaram a médica e a promotora, a melhor decisão será sempre a que for tomada junto com o idoso. No caso da jornalista Isabella Ferreira, procurar uma instituição para cuidar da mãe, Darcy Reis de Oliveira, foi o melhor caminho.
Vivendo com Alzheimer há alguns anos, Darcy chegou a ser cuidada por profissionais em casa no começo, mas Isabella e o irmão entenderam que ela precisava de atenção mais especializada. Por isso, estaria mais bem suprida em uma instituição.https://5c6c5146748d7af2b15aab0b20c458f3.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
“Encontramos um local especializado em Alzheimer. Mas não é uma clínica, é como se fosse a casa dela mesmo, tem tudo lá, inclusive estrutura para não repousar e sim estimular”.
Isabella tem a mãe em uma instituição especializada em Alzheimer. — Foto: Arquivo Pessoal
Isabella disse ter percebido, junto com o irmão, perceberam que por não se falar tanto sobre o envelhecimento, foram pegos de surpresa quando precisaram. Ela também comenta ter visto ainda muito tabu sobre o assunto.
“A gente não sabe o que fazer. A gente se culpa. Mas não tinha sequer estrutura mental para cuidar como precisava. Seria muito mais difícil se ela estivesse em casa, ainda mais agora com o isolamento. Mas não é porque está morando num residencial que você pode abrir mão do vínculo, afetivo e responsabilidade”.
Quebrando o tabu
Apesar de ser algo ainda incomum, a psicóloga Alessandra Rego Barros disse que acompanhou uma idosa, que por conta própria, pediu para ir para uma instituição.
“Ela teve sequelas de um AVC, a família estava esgotada e ela chegou para a família e pediu. Ela mesma se viu em uma situação melhor morando em uma instituição, saberia que estaria mais compreendida lá”, contou Alessandra.
Na casa da professora aposentada Ivanice Ramos dos Santos, de 52 anos, o futuro, o envelhecimento é um tema de conversa de família.
Ivanice disse já ter pensado sobre viver em instituição quando ficar mais velha
“Na última vez que falei disso, meu filho disse que estava muito cedo para discutir o assunto, mas eu queria deixar claro. As pessoas não envelhecem igual, temos limitações e que precisam de muitas adaptações em casa”.
Ivanice lembra que, com a idade, vão surgindo doenças que limitam a parte motora e mental, que precisam de um atendimento diferenciado.
Para a aposentada, o fato de não ter preconceito para discutir o assunto é algo que faz com que a família saiba que, se precisar, podem tomar qualquer decisão sem medo.
“Nem sempre os filhos, por mais que queiram estar perto e cuidar, conseguem fazer da maneira correta, devido à estrutura em casa e à logística também, porque a maioria trabalha. Fica inviável trabalhar o dia todo, passar a noite toda acordada cuidando de alguém e depois ir trabalhar de novo. Para mim não seria ser abandonada e sim entenderia que estariam pensando no meu bem-estar”.
Ivanice disse ter procurado opções de instituições de longa permanecer para que ela fique, quando houver necessidade — Foto: Arquivo Pessoal
A professora aposentada disse que as pessoas deveriam pensar sobre o assunto de outra forma e procurar até mesmo conhecer as instituições. Ela própria disse ter procurado algumas.
“Dei uma pesquisada de lugares, sim. Isso é pensar no envelhecimento, nas possibilidades que podemos ter. Hoje meus filhos falam que vão cuidar de mim, que posso morar com eles. Se tiver essa possibilidade, tudo bem, mas se não, estou tranquila”.
As Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI) antes eram chamadas de asilos e são popularmente conhecidas como casas de repouso. Curitiba tem 146 instituições para idosos, entre públicas e privadas, que acolhem em torno de 2.500 pessoas.
A geriatra Geraldine Guimarães comenta que as três principais doenças que levam os idosos às instituições são o Alzheimer, o Parkinson e sequelas do AVC. A médica disse que pesquisas mostram que famílias que tenham idosos com mais de 80 anos também costumam procurar pelas instituições.
“Pelas dependências que o avanço da idade acompanha. Quando começa a ter complicações, aumenta o risco de institucionalização”.
Segundo a geriatra, aqueles idosos que não têm companheiro são 90% dos casos institucionalizados. Nas instituições, homens são 70%.
Maioria dos idosos em instituições são homens, segundo médica. — Foto: Tony Winston/Agência Brasília
A experiência mostrou para a promotora Cynthia Pierri que as instituições são sempre procuradas por famílias de idosos com alguma doença.
“Hoje em dia as instituições têm estrutura e garantem um envelhecimento saudável aos idosos. Mesmo assim, o público que ainda vai para estes locais é formado por idosos com grau de dependência 2 ou 3, ou seja, aqueles que precisam de mais cuidados”.
A promotora conta que é mais difícil encontrar uma instituição que seja apenas para aqueles idosos que não demandam muitos cuidados, mas que não poderiam ficar sozinhos.
“Falta um local onde pudesse haver integração social, convivência, e cada um cuidar da sua própria realidade. Não temos isso aqui por uma questão cultural, nem público e nem privado. As pessoas têm muito preconceito com a instituição. Muitas famílias buscam e trazem consigo muita culpa e isso não deveria acontecer, porque essas instituições são locais onde os idosos vão receber os melhores cuidados”.
Na avaliação da promotora de defesa dos idosos, as famílias deveriam enxergar as instituições como parte de um processo, inclusive porque não significa que a pessoa vai ser abandonada.
“Inclusive essa deve ser a regra, a pessoa receber visitas e manter a convivência com a família. Morar numa casa de repouso não significa que ele possa ser abandonado, zelamos para que esses vínculos sejam preservados”.
A promotora alerta que, ao optar por uma instituição, a família deve pensar em todos os aspectos que envolvem, não só o dinheiro para manter a estrutura. Até porque, conforme Cynthia Pierri, a família pode ser investigada por abandono se não continuar mantendo a convivência.
“A família é responsável por medicamentos, por necessidades materiais que o idoso venha a ter, mas não é só material, é sobretudo afetivo. Não pode colocar o idoso em uma instituição como forma de se livrar dele. A ideia é visitar com a mesma frequência que visitaríamos em casa”.
Cuidar do idoso em casa pode ser opção, mas família tem que pensar nas necessidades da pessoa. — Foto: Ilustrativa/Pixabay
Cuidar em casa é uma boa opção?
Na avaliação da promotora Cynthia Pierri, nem sempre cuidar em casa pode ser uma boa solução. Isso porque, embora muitas famílias queiram prover o melhor para os idosos, não é todo mundo que consegue manter a estrutura emocional também.
“O que mais vemos é idoso sendo abandonado dentro do ceio da própria família. Isso muitas vezes acontece porque existem estudos dizendo que, em muitas famílias, o idoso é a pessoa com maior renda, então optam por manter a pessoa ali para se valer dessa renda, mas não prestam o cuidado necessário”.
A promotora destaca que sempre a família deve se nortear pela decisão do próprio idoso, principalmente quando ele é lúcido e capaz. “Tem que ter um limite entre o que cuidado e o que é ingerência indevida”.
Patrícia disse que morar com a mãe a fez entender melhor a velhice. — Foto: Arquivo Pessoal
No caso de Patrícia Blümel, morar com a mãe, Ursula Irene Blümel, 89 anos, na mesma casa bastou. Sem nenhuma doença, a idosa apenas começou a demonstrar sinais normais do envelhecimento e a companhia da filha ajudou a trazer segurança em casa.
“Do lado prático, digo que realmente não é uma decisão fácil, porque deixamos um pouco a gente de lado, mas é um privilégio saber que no envelhecimento a gente conseguiu se entender melhor. Ela entendeu que precisa estar perto de alguém e eu também fui entendendo o que é envelhecer, porque também estou envelhecendo e conseguido me colocar no lugar dela. Foi um momento de construirmos uma convivência legal, de respeito mútuo e tudo mais”.
Para trazer mais segurança para a mãe dentro de casa, Patrícia fez algumas adaptações. Ela também combinou que fica com ela algumas responsabilidades, como a de cozinhar, por exemplo.
“Eu dormia num quarto que era longe do dela. Hoje durmo mais perto. Tudo que tem escada é com corrimão. Colocamos campainha no banheiro e no quarto, caso ela caia ou aconteça alguma coisa, ela pode tocar e eu posso ouvir. Colocamos barra no chuveiro e banquinho de banho para se apoiar. Também não tranca mais a porta, porque assim podemos entrar se precisar”.
Na casa de Patrícia e Ursula, família fez adaptações. — Foto: Arquivo Pessoal
Apesar de poder cuidar da mãe em casa, Patrícia disse que a família chegou a cogitar a possibilidade de uma instituição. Ela destacou que essa decisão costuma ser alvo de muitos mitos, mas que o melhor é pensar no idoso em si.
“O que não pode é abandonar, tem que estar junto, porque é muito importante, principalmente para a condição mental. Eles precisam ter alguém que conversem, que escutem as histórias, que façam também esse apoio social. Eles precisam de amigos, convivência, e a família é super importante nisso”.