Sonho Seguro – 02/06/2023 06:49 – POR DENISE BUENO – Fonte: Valor

Em uma situação provavelmente sem precedentes no Brasil, as principais entidades de um setor regulado entraram na Justiça Federal contra o próprio regulador. Foi o que ocorreu no setor de seguros. A Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg) e a Federação Nacional das Seguradoras (Fenaseg) abriram uma ação civil na 6ª Vara Federal de Curitiba para interromper a implementação do Sistema de Registro de Operações de Seguros (SRO).

O processo tenta barrar a aplicação das resoluções do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) e das circulares da Superintendência de Seguros Privados (Susep), que instituem o programa.

As entidades solicitaram tutela antecipada, ou seja, uma decisão que adianta total ou parcialmente os efeitos do julgamento de mérito, para barrar a implementação do sistema. Até ontem, o juiz responsável pelo processo não havia deferido a petição em caráter liminar. A ação foi iniciada no fim de março, mas só ficou conhecida agora.

O SRO tem como objetivo modernizar o envio de dados ao regulador, diz a Susep. As informações são passadas pelas seguradoras e outras empresas do setor às entidades chamadas de registradoras, que recebem e conciliam os dados de operações de seguros, previdência complementar aberta, capitalização e resseguros. Esses agentes disponibilizam para a Susep os dados tratados para compor a base de supervisão do órgão.

A ideia da plataforma é permitir acesso em tempo real às informações para o regulador. Além disso, o sistema estabelece padronização para o setor, que deve funcionar como base para o ambiente de compartilhamento de dados, o “open insurance”, que vai compor com o “open banking”, do Banco Central, um ecossistema mais amplo, o “open finance”.

Conforme a ação protocolada, “inexiste fundamento constitucional ou legal para a criação da obrigação de registro eletrônico perante entidades registradoras”. O documento protocolado pela CNseg e Fenaseg aponta ainda que “foi evidenciado que a proposta [do SRO] infringia os princípios constitucionais da proporcionalidade, da legalidade, da livre iniciativa e do livre exercício da atividade econômica, e descumpria as determinações da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)”.

As entidades argumentaram que a legislação em vigor não respalda as decisões do regulador. “Nenhuma dessas regras contempla atribuição ao CNSP ou à Susep de competência para impor às empresas do setor o dever de contratar entidades registradoras e de submeter a elas o registro de suas operações”, afirmaram a confederação e a federação.

Em resposta ao Valor, a Susep afirma que “está acompanhando a ação movida pela CNseg e pela Fenaseg na Justiça Federal do Paraná”. De acordo com o regulador do setor de seguros, “o SRO continua em andamento”.

A autarquia alega que o projeto do registro de seguros aprimora e moderniza sua capacidade de supervisão ao permitir acesso “tanto pela Susep como por toda a sociedade brasileira” a um amplo conjunto de dados. Assim, afirma, a expectativa é que melhore confiança dos consumidores e impulsione a demanda.

Sobre a questão de obrigatoriedade do registro, a Susep ressalta já haver a mesma prática nos setores bancários e de investimentos. “No Brasil, a atividade de registro de ativos financeiros e de valores mobiliários está regulamentada pelo Banco Central e pela CVM, em suas respectivas áreas de competência”, pontua.

A CNseg, em resposta ao Valor, diz que o SRO “não está em funcionamento e até hoje a plataforma integrada que permitirá que os dados enviados pelas seguradoras às registradoras cheguem até a Susep não foi disponibilizada pelas registradoras”. De acordo com a entidade, “o sistema tem gerado custos excessivos para as seguradoras”. Para a confederação, “as informações de operações ficam represadas nas registradoras sem utilização pela autarquia”.

A entidade das seguradoras cita um cenário de “insegurança jurídica” para justificar a ação na Justiça. Conforme a instituição, o processo aberto tem como objetivo “requerer a suspensão do SRO apenas até que todos os problemas que impedem o envio das informações registradas à plataforma integrada sejam corrigidos e o sistema esteja em condições de cumprir os objetivos estabelecidos pela Susep”.

FISCALIZAÇÃO EM TEMPO REAL

A ideia de implementar o Sistema de Registro de Operações de Seguros, Previdência Complementar Aberta, Capitalização e Resseguros (SRO) existe há quase dez anos. Em 2014, a Superintendência de Seguros Privados (Susep) e o Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) propuseram uma reforma da supervisão do setor que incluía uma plataforma digital com dados das operações.

A implementação do sistema começou a tomar forma a partir de março de 2020, com a resolução 383 do CNSP. A regulação estabelecia que as empresas supervisionadas efetuassem o registro de suas operações de seguro, previdência complementar aberta, capitalização e resseguro “em sistemas de registro previamente homologados pela Susep e administrados por entidades registradoras credenciadas pela autarquia”.

Entre 2020 e 2021, o regulador credenciou cinco entidades como registradoras: B3, Cerc, CSD, Maps, Ângulo Capital e CRDC. A Susep também estabeleceu um cronograma de implantação do projeto que passou por ajustes. De acordo com o planejamento em vigor, o processo de implementação do SRO já está na fase final.

A execução teve início em novembro de 2020 e a última etapa está prevista para setembro deste ano. A primeira categoria a ser registrada foi o seguro garantia. Ao longo dos últimos três anos, os ramos foram sendo incluídos gradativamente. Já faz parte do sistema a maioria das categorias, como seguros marítimo, aeronáutico, de petróleo, nuclear, rural, de responsabilidades, patrimonial, auto, transportes, habitacional, microsseguros, de pessoas coletivo e individual estruturados em regime financeiro de repartição simples.

As últimas fases, incluem, em agosto de 2023, os produtos de previdência aberta. Já no mês seguinte o cronograma tem como últimas modalidades, a capitalização e a assistência financeira.