Revista Apólice – Ultima atualização 8 de setembro
Certamente o tema “seguro” jamais passou pelas mentes do diretor Ridley Scott e dos roteiristas Hampton Fancher e David Peoples durante a produção, realizada entre 1981 e 1982, do célebre Blade Runner, o caçador de andróides, um clássico do gênero “ficção científica”. O mesmo pode-se dizer do cineasta Steven Spielberg com o seu não menos cultuado e comovente A.I. Artificial Intelligence, filmado entre 2000 e 2001 e cujo roteiro Spielberg assina com Ian Watson. Os dois filmes ajudaram a semear o debate sobre inteligência artificial (IA). Inicialmente, sob um viés filosófico e, em um plano posterior, sob uma orientação sociológica, atraindo, na sequência, o mercado. Tudo soava, para muitos, irrealizável, mas ao mesmo tempo assustador. O novo milênio trouxe consigo, contudo, uma aura destemida e um olhar para o futuro que faz da ciência a prioridade, um veio catalisador da vida e, agora e definitivamente, de mercados também, após a expansão de complexas e impressionantes concepções de IA. Um dos setores que se anteciparam com a percepção de que a inteligência artificial deveria ser inserida em seu dia a dia é o seguro, apesar da desídia dos geniais cineastas aqui citados.
O mais surpreendente de tudo é que o setor sempre teve a pecha de conservador, mas seus atores levam a sério a velha máxima “quero estar vivo para ver”. Vivos, atentos e inovadores! Em pouco mais de duas décadas, a inteligência artificial investe-se em tudo que nos cerca, sobretudo no campo da saúde, onde o seguro é indispensavelmente presente. Mas há uma palavra que jamais pode ser negligenciada nesse percurso que nos conduz a um mundo no qual o real e o imaginário se confundem: responsabilidade. O setor de seguros parece ter internalizado a premissa, especialmente para tornar mais efetiva a relação dos seus serviços e propósitos com os seus consumidores.
Tudo depende, entretanto, não somente de uma necessária alteridade, mas também de leis claras que regulamentem a inteligência artificial, e esse desafio não é uma peculiaridade brasileira. O mundo inteiro ainda discute, no campo jurídico, como regulamentar a IA.
Em nosso caso particular, foi aprovado em setembro de 2021, por uma comissão especial da Câmara, o projeto de lei 21/2020, que abriu as discussões sobre a regulação da inteligência artificial no Brasil, como explica o advogado Ricardo Freitas Silveira, especialista em direito digital. O PL envolveu princípios normativos, mas era necessário aprofundar o debate, por isso o Senado Federal instaurou uma comissão de juristas para elaborar um projeto mais alentado, mais aprofundado, que resultou no PL 23338/2023, de autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que aprimora a regulamentação das tecnologias de IA. “O novo projeto é baseado em riscos, ou seja, na categorização da inteligência artificial com base nos riscos que pode gerar e ainda contempla os direitos fundamentais dos usuários, mas sem coibir o avanço da inovação, a exemplo do que fez a União Europeia. A visão do ministro Ricardo Villas Bôas Cuevas no comando da comissão de juristas foi fundamental para propiciar esse formato ao projeto, que tem como característica ser interdisciplinar e transitar por diferentes setores interessados, sejam as empresas, a comunidade científica, parlamentares, governos, usuários etc.”, afirma Silveira.
No Senado, o PL 23338 tramita pelas comissões permanentes do Senado e, se aprovado, será remetido à Câmara dos Deputados. Caso não haja alteração, ele será enviado para sanção presidencial. “Fato é que depois da democratização do conhecimento da inteligência artificial generativa pelo Parlamento brasileiro, a necessidade de regulamentação ganhou uma nova perspectiva, seguindo uma tendência mundial de regulação”, reforça o advogado. Segundo o especialista, há muito sensacionalismo sobre os riscos da inteligência artificial e, consequentemente, uma legislação que não garanta a inovação e o desenvolvimento tecnológico pode ser muito prejudicial para todos. “É preciso focarmos em uma inteligência artificial responsável, o que compreende sua utilização efetiva fruição por parte da sociedade de todos os seus inúmeros benefícios, bem como cautelas e limitações para que os riscos e os erros que são cometidos sejam minimizados. Veja que a regulamentação em todo o mundo está em diferentes estágios, sendo que a União Europeia deu um passo à frente com a aprovação do Parlamento Europeu de lei que regulam as práticas voltadas à IA e deve influenciar muitos países, o que é conhecido como ‘Efeito Bruxelas’.”
Especialista na área do direito da saúde e com atuação em contencioso cível, com ênfase na área de saúde suplementar, a advogada Mariana Machado destaca que, embora o projeto siga sem entrave no Senado o rito de tramitação regular, é necessária a ampliação do debate para contribuição de toda a sociedade civil organizada sobre a proposta legislativa. Nesse sentido, recorda a advogada, foi realizada no dia 5 de junho, a primeira reunião de trabalho do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional (CCS) para analisar, com auxílio de especialistas da área, os impactos da tecnologia que já vem sendo utilizada e a necessária proteção legal da sociedade, a fim de evitar prejuízos aos cidadãos. “Os projetos de lei 5051/2019, 21/2020 e 872/2021 tramitavam concomitantemente, com o objetivo de estabelecer balizas para o desenvolvimento e aplicação de sistemas de inteligência artificial no Brasil, contudo foi elaborado texto legal mais avançado tecnicamente, sendo os três mencionados, substituídos pelo PL 2338/2023. Desse modo, todo o aparato legislativo acerca da IA será concentrado no PL 2338/2023, o que acarreta maior intensificação de esforços pelos representantes do Congresso Nacional para aprovação final do projeto”, avalia a advogada, que, recentemente, escreveu um artigo no qual afirma que o uso da inteligência artificial (IA) na área de saúde surge como um grande marco desse avanço tecnológico, em que é possível personalizar a relação dos envolvidos e garantir mais agilidade ao processo.
Mariana explica que, no cenário atual, a contratação do seguro saúde ocorre de forma bilateral, mediante cláusulas fixas e pré-determinadas que tendem a ganhar uma nova formatação com a aplicação da IA pelas seguradoras. Na prática, diz ela, a personalização dos contratos se daria ao utilizar técnicas de análise de dados, aprendizado de máquina e processamento de linguagem natural, pelo uso da IA que iria avaliar os dados do segurado e personalizar a cobertura do plano de saúde conforme suas necessidades específicas, identificando possíveis riscos de saúde, histórico de doenças, estilo de vida e localização geográfica. “Com base nessas informações, a IA poderá recomendar coberturas específicas para o segurado e serviços de prevenção, a exemplo de exercícios e nutrição para evitar doenças futuras quando associáveis a um estilo de vida não saudável, além de ajudar a gerenciar o risco de saúde dos segurados, identificando padrões e tendências que possam elevar custos financeiros futuramente”, enfatiza Mariana, assinalando que o uso personificado e massivo de dados trará impacto no comportamento mercadológico do setor securitário ao surgir novos produtos, especialmente aqueles tratados de forma dinâmica, no que se refere ao risco e o valor do prêmio a ser pago pelo segurado, fazendo crescer as opções de produtos comercializados e de como contratá-los de forma mais rápida e específica com a ajuda da IA em personalizar o produto ideal para o possível segurado.
O Brasil está aos poucos incorporando os avanços tecnológicos na área da saúde suplementar, pondera Mariana Machado. Em junho, ressalta a advogada, foram assinados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) três contratos com startups que participaram da seleção pública Soluções de Inteligência Artificial para o Poder Público,promovida em conjunto pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) e Escola Nacional de Administração Pública (Enap). “Os contratos selecionados terão iniciativas desenvolvidas para reclamação digital de clientes de operadoras de saúde; análise de processos de ressarcimento ao Sistema Único de Saúde (SUS) e assistente de alteração de dados cadastrais dos regulados, que irá agilizar a regulação econômico-financeira da ANS nas operadoras de saúde. O principal objetivo do projeto é desenvolver a atuação do uso da inteligência artificial, tanto no setor de regulação da saúde suplementar, como ofertar a melhoria dos serviços públicos aos cidadãos. Contudo é preciso que seja realizado mais investimento no setor, para efetivação da aplicação da IA na área de saúde, sobretudo no que diz respeito ao tratamento médico convencional, a fim de possibilitar maior eficiência ao ciclo diagnóstico-tratamento-recuperação”, alerta Mariana.
Gargalos
Nessa estrada que conduz a IA, há dificuldades a serem superadas pela saúde suplementar. Em um primeiro momento, como sinaliza a advogada Mariana Machado, algumas podem ser identificadas, como, por exemplo, a precisão da tecnologia fornecida para auxiliar os médicos e a legislação. “A tecnologia precisa ser rigorosamente desenvolvida com a capacidade de coletar informações, processar e fornecer a saída correta para que, efetivamente, os dados colhidos facilitem uma compreensão clara de como as recomendações serão repassadas aos médicos, de modo seguro, direcionando o melhor e mais eficientemente o curso da ação que este poderá seguir, com possibilidades adicionais, junto à técnica e conhecimento do profissional”, resume a especialista.
Em paralelo, frisa Mariana, preocupa a ausência de legislação específica aplicada à implementação do uso da IA na área de saúde, sobretudo a forma de tratamento e uso dos dados sensíveis colhidos dos pacientes que possam assegurar a utilização com a finalidade específica a que foi proposto inicialmente. “É preciso ainda garantir que o gerenciamento de risco evite possível vazamento de dados e, por consequência, a responsabilização por danos causados a terceiros, advindo de negligência no processamento dos dados. Contudo os pontos levantados em nada obstam o avanço tecnológico, desde que postos a análise e tratados de forma séria, com intuito de alinhar e superar possíveis impasses”, complementa a advogada.
Diretor-executivo de mercado e tecnologia na Seguros Unimed, Wilson Leal salienta que a expansão do uso da IA no mercado de seguros, mesmo após a instauração de um marco legal, traz prós e contras para a sociedade. “Por um lado, a IA pode aumentar a eficiência e automação dos processos, resultando em maior rapidez e melhores experiências para os clientes. Além disso, a precisão na avaliação de riscos e na tomada de decisões pode ser aprimorada, permitindo uma precificação mais precisa e reduzindo fraudes. Por outro lado, surgem as questões éticas e de privacidade, devido ao uso de grandes volumes de dados. Portanto é preciso acompanhar de perto os impactos positivos e negativos da massificação da IA no setor, buscando soluções éticas e transparentes”, observa Leal.
Para a advogada Mariana Machado, o maior entrave, e que sempre vem à tona, diz respeito à questão da privacidade e segurança de dados, que, alerta ela, podem se desdobrar em vieses discriminatórios e segregadores e, como efeito, impactar na aceitação dos usuários em compartilhar informações pessoais. “Para garantir a proteção dos dados é importante seguir as normas e diretrizes estabelecidas pela LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), de forma harmônica com as legislações futuras que serão regulamentadas, obtendo o consentimento prévio do usuário, informando quais dados serão coletados e sua finalidade específica, mediante uso de sistemas criptografados e a adoção de políticas de segurança da informação”, recomenda Mariana.
A advogada pondera, contudo, que o processo de desenvolvimento da utilização da IA vem ganhando força no campo legislativo, sobretudo com as garantias advindas da Lei nº 13.709/2018, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD): “Some-se a isso, ainda, a emenda constitucional nº 115, de 2022, que incluiu o direito à proteção de dados pessoais no rol de direitos e garantias fundamentais ao cidadão, garantindo mais segurança jurídica na aplicação da LGPD que veio somar às demais cláusulas pétreas.”
Gerente de inovação da Icatu, Elisa Gomes afirma que a seguradora aborda a inteligência artificial como um meio para a resolução de alguns gaps, considerando que a IA absorve um volume intenso de dados, de percepções, de insights e de leituras de interesses que pode ajudar no direcionamento de esforços da companhia. “Mas nada disso funciona sem o olhar humano por trás. Justamente por isso, o nosso grande objetivo é conduzir todo esse processo sem perder o nosso principal ativo, que é justamente esse olhar humano”, pontua a executiva, e continua: “Robôs são pré-treinados, agem de acordo com estímulos e somente são assertivos se recebem os direcionamentos corretos. Ou seja, não há sucesso no uso da inteligência artificial sem o uso apurado do feedback humano. Na Icatu, por exemplo, vemos que as conversas com clientes, agências e também diretamente com os nossos grandes parceiros, os corretores, passam necessariamente pela experiência humana. E é ela que vai nortear o sucesso ou fracasso das experiências com IA.”
O advogado Ricardo Freitas Silveira costuma afirmar que a IA “salva vidas”, mas também colabora para “salvar o planeta”, a “melhorar a qualidade de vida”, entre tantas outras aplicações nos mais diversos setores. “Não é possível segurar essa onda. A IA é uma realidade que chegou para ficar e transformar a sociedade. Podemos citar a indústria de seguros como uma das beneficiadas com a implementação de sistemas da IA, porque acabou ganhando maior eficiência e reduzindo os custos por meio de uma série de aplicativos. Os algoritmos podem auxiliar as seguradoras a avaliar riscos com mais precisão, além de realizar o processamento de sinistros, determinar preços de apólices e prevenção de fraudes, com análise mais acurada de dados e gerar relatórios e melhorar a experiência aos clientes”, destaca Silveira.
Entretanto, esclarece o advogado, os riscos e, principalmente, as incertezas são muitas. “Desde um possível aumento no desemprego a casos de discriminação algorítmica, muitos são os pontos que precisam ser enfrentados para que os direitos humanos sejam garantidos e que a inovação não resulte em um abalo à imagem da organização, inclusive, com a imposição de multas ou processos judiciais individuais”, avalia Silveira.
Sociedade preparada?
A sociedade está preparada para a inteligência artificial, sobretudo com respeito à legislação vigente no país? Silveira observa ser preciso falar mais sobre letramento digital e incluir temas relacionados à tecnologia e seus riscos desde a educação básica. Ele cita como exemplo a orientação do Fórum Econômico Mundial para que as organizações ensinem estas novas habilidades aos seus colaboradores. “A sociedade tem se maravilhado com produtos de IA, que podem ser utilizados por qualquer pessoa, mas é sempre bom lembrar que a IA trabalha com grande fluxo de dados pessoais. Os titulares de dados pessoais, ou seja, as pessoas ainda precisam conhecer os direitos previstos na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. Assim que o Brasil tiver uma lei específica relacionada à inteligência artificial, surgirão novos direitos e assim será sempre, em constante evolução”, presume o especialista.
Para a executiva Elisa Gomes é difícil afirmar se a sociedade já está realmente preparada para abordar a inteligência artificial. “O que podemos considerar é que, certamente, temos uma população muito interessada e engajada para esses temas. A exemplo da utilização do chat GPT, em que o Brasil se configura no ranking dos cinco países que mais acessam a OpenAI, segundo levantamento da Semrush. Vemos um potencial de consumo tecnológico muito expressivo no Brasil, o que também exige o estabelecimento de uma legislação que contemple boas práticas no seu consumo para equilibrar as possibilidades de evolução e seus riscos. O panorama é positivo”, empolga-se Elisa.
Wilson Leal tem um ponto de vista parecido. O executivo explica que muitas pessoas têm conhecimento limitado sobre inteligência artificial e suas implicações, enquanto preocupações sobre privacidade, segurança e desemprego afetam sua aceitação. “Alguns países estão adotando regulamentações para proteção de dados pessoais e discutindo leis mais abrangentes para governar o desenvolvimento e o uso da IA em setores específicos. No entanto, a legislação ainda está em desenvolvimento na maioria dos países e os legisladores estão trabalhando para acompanhar os avanços tecnológicos e adaptar as leis existentes, ou criar novas, conforme necessário. Ainda há muito trabalho a ser feito para garantir uma regulamentação eficaz e uma compreensão adequada dos desafios e benefícios da IA”, declara o executivo da Seguros Unimed.
Reduzindo custos e impactos na precificação
Quando se fala em IA, é inevitável abordar-se também a redução de custos operacionais das seguradoras e de precificação de apólices que os novos e inovadores recursos tecnológicos proporcionam. A Seguros Unimed, por exemplo, investiu em ferramentas que otimizam o trabalho interno e, consequentemente, reduzem os gastos do dia a dia. Desde o ano passado, a seguradora mantém uma parceria com a DataRobot para a utilização do machine learning para auxiliar na prevenção de fraudes e no pagamento de reembolsos abusivos. A economia estimada pela Seguros Unimed é de R$ 7 milhões anuais, sem contar o ganho em inovação que a seguradora obtém, direcionando a sua cultura para um modelo de negócio baseado em dados.
“Atualmente, já estamos utilizando IA para precificação em alguns ramos de negócios na seguradora. Isso nos traz uma agilidade e acuracidade na formação de preços, podendo mudar nossos processos de revisão das taxas. Estamos no início da jornada de IA na precificação, mas estamos confiantes em ganhar experiência e maturidade rapidamente durante o ano de 2023”, revela Wilson Leal, diretor da seguradora.Quanto aos processos internos da Unimed, o executivo lembra que desde que a seguradora identificou a necessidade de aprimorar a gestão de seus recursos e de se adequar às normas, como as da LGPD, ela passou a migrar toda a sua base para uma única plataforma, sob o modelo data lakehouse, de armazenamento de dados. “Desde então, a Seguros Unimed trabalha com os dados de maneira ainda mais centralizada e padronizada, possibilitando a obtenção de todos os outros ganhos possíveis e mantendo-se em conformidade com a LGPD, o que agrega mais segurança aos processos de governança. Por último, ela permite, ainda, a redução de custos”, resume Leal.
A parceria com a DataRobot sustenta, hoje, o processo de letramento e de transformação no uso da inteligência artificial pelos colaboradores da Seguros Unimed. Por meio dessa iniciativa, a seguradora implementou modelos preditivos nas áreas atuarial, jurídica, de contas médicas e de promoção à saúde. Entre os modelos desenvolvidos, ou em desenvolvimento pela companhia, estão a melhoria da precificação dos planos odontológicos e de saúde, a previsão de despesas para fins orçamentários, a identificação de fraudes em reembolsos e prestadores de serviço, churn de beneficiários e prestadores e riscos de condenação em ações judiciais. “Como próximos passos, pretendemos aprimorar processos com machine learning para atuar proativa e preventivamente junto os beneficiários que têm doenças crônicas a fim de atuar em prol de sua qualidade de vida, evitando ou reduzindo sinistros; sofisticar o processo de subscrição e aceitação de riscos, investigando o risco contrato a contrato, beneficiário a beneficiário, antes de sua aceitação, com o objetivo de reduzir fraudes no uso dos planos de saúde, e apoiar o processo de provisionamento de receita, em casos de condenação para otimizar o uso do caixa da companhia”, conta Wilson Leal.
Na Icatu Seguros, já há convicção de que todo e qualquer recurso de inovação que facilite as jornadas da seguradora, sejam internas ou externas, têm impacto direto no negócio e otimiza o trabalho das equipes envolvidas no processo a partir da simplificação das etapas percorridas. “Mas também é uma realidade que o mercado ainda está aprendendo a lidar com IA, sobretudo as generativas – o que impossibilita, ao menos por enquanto, estimarmos, na prática, em reduções exatas de custos operacionais”, argumenta Elisa Gomes.
Hoje, a Icatu otimiza o processo de aceitação de riscos com uma funcionalidade que tem como base a utilização de inteligência artificial e de machine learning. Segundo Elisa, a partir da segregação, tratamento e análise de dados, foi possível desenvolver uma inteligência que define se determinado cliente terá acesso a uma oferta de seguro pré-aprovada, sem a necessidade, portanto, de se submeter a processos de subscrição, como preenchimento de formulários de saúde, atividades ou realização de exames médicos. O resultado desta análise é feito em questão de segundos, garante a executiva: “Para tal, foi utilizada a experiência de aceitação de riscos e de regulação de sinistros de mais de 30 anos de atuação da seguradora no Brasil. A funcionalidade conta com uma análise inteligente e, hoje, conseguimos com que quase 90% das propostas sejam analisadas automaticamente sem a necessidade de intervenção humana. Essa inovação possibilitou maior eficiência do processo de automatização de análise e aceitação de propostas de seguro de vida, agilizando o processo de venda e de emissão dos seguros na companhia.”
A Icatu vem testando recursos de inteligência artificial com apoio de grandes players do mercado, como a Microsoft e a Google. Nos últimos anos, a seguradora investiu mais de R$ 1 bilhão em iniciativas de tecnologia, transformação digital, inovação e experiência digital. Só neste ano, a Icatu reforçou a estratégia nesses segmentos com mais de R$ 400 milhões. “Dentro desse contexto, contamos com uma operação que é provocada a todo momento a ter esse olhar para a inovação. Implementamos um framework próprio de inovação visando o aprimoramento e a abrangência do nosso portfólio de inovação. O frame propõe um olhar completo para todas as abordagens de inovação e se baseia em quatro pilares principais que alimentam o portfólio: governança; cultura e intraempreendedorismo; inovação aberta; cenários futuros e prospecção tecnológica e de negócios. Essas diferentes abordagens nos permitem o desenvolvimento de múltiplas capacidades de inovação em toda a organização”, resume Elisa Gomes.
Diretor de operações da Assurant no Brasil, José Augusto Codesso afirma que a tecnologia tem sido uma grande aliada no desenvolvimento de produtos, serviços e na implementação de novos modelos de atendimento. “O modelo tradicional de seguros que conhecemos tem processos que são muitas vezes obstáculos para atender o cliente com agilidade. Através da transformação digital é possível revolucionar a forma com que se faz seguro no Brasil e no mundo”, afirma Codesso.
Em 2019, a Assurant implantou um modelo de auto-aprovação de sinistros aplicando o método descritivo na tomada de decisão, ou seja, trabalhava-se com regras e base de dados históricos. Atualmente, todas as ocorrências de sinistros já passam pelo machine learning. Com isso, mais de 50% dos processos de atendimento para os bens segurados, como refrigeradores, TVs, celulares, computadores, já têm aprovação automática, confirma Codesso, assinalando que 96% dos segurados que utilizam a análise virtual consideram que o serviço é a melhor forma para avaliar o item segurado quando é necessário abrir um sinistro.
IA combatendo fraudes em Auto
Fraudes são um dos grandes gargalos do setor de seguros, sobretudo na carteira de auto. As seguradoras tradicionais recorrem à inteligência artificial para evitá-las, e insurtechs, como AutoInsp Vistoria e Perícia Veicular, estão ajudando a reduzir o impacto das fraudes oferecendo ao mercado recursos baseados em IA. A solução antifraude desenvolvida pela AutoInsp consiste em um sistema que utiliza inteligência artificial, processamento de imagens e simulação de acidentes para analisar sinistros automotivos. Com base no relato do segurado, fotos do veículo sinistrado e boletim de ocorrência, a IA extrai variáveis de engenharia para reconstituir virtualmente o ocorrido. A partir dos danos físicos do veículo, são utilizados equacionamentos avançados de engenharia automotiva para quantificar e comparar o dano com o cenário simulado.
Fundada em 2020, a AutoInsp lançou a ferramenta de IA em 2023 e, segundo o CEO da insurtech, o engenheiro automotivo e especialista em perícia automotiva e em acidentes de trânsito João Pedro Taborda Lottermann, a solução já conseguiu mitigar fraudes em até 80%, melhorando os índices de sinistralidade e gerando economia para as seguradoras, principalmente em episódios que beiram a surrealidade na carteira de auto. “Impressionam casos de fraudes em que os segurados criam eventos fictícios para consertar carros de familiares ou alegam acidentes que, na verdade, foram causados por falta de manutenção do veículo. Um exemplo notável foi o de um carro em péssimo estado que sofreu um sinistro. A seguradora fez os reparos necessários correlacionados com o evento, mas o veículo pegou fogo posteriormente e o motorista tentou culpar a seguradora. Além disso, casos de excesso de velocidade são comuns, com danos que representam velocidades muito maiores, até o dobro, do que a velocidade relatada”, recorda Lottermann, antecipando que a solução da AutoInsp vem sendo testada por três grandes seguradoras tradicionais, cujos nomes ainda não podem ser revelados por conta da fase de amadurecimento da negociação e de acordo de confidencialidade. “Em breve será divulgado, inclusive, com os resultados alcançados”, promete o executivo.
Sócio-fundador da AutoInsp, Tiago de Bortoli é, igualmente ao sócio João Lottermann, mestre em ciências mecânicas pela Universidade de Brasília (UnB). Ele registra que o feedback de clientes aponta para a melhora do NPS com segurados, que passam a ter uma resposta mais efetiva da companhia. Além disso, diz Bortoli, a detecção mais precisa de fraudes evita pagamentos indevidos, gerando economia para as seguradoras. “A Autoinsp é uma ferramenta e uma solução que permite à seguradora focar em sua atividade fim e ter profissionais especialistas em seguridade, reduzindo a carga com engenharia de análise interna. Há uma brincadeira interna que diz que a seguradora nasceu para cuidar dos carros, mas quem cuida da seguradora? Foi para isso que a Autoinsp nasceu e pensou em sua solução”, analisa o executivo.
Bortoli também garante que os corretores e seguradoras com os quais a AutoInsp trabalha apresentam retornos positivos com o uso da IA na precificação de apólices. “A redução de fraudes impacta diretamente na melhora dos índices de sinistralidade e contribui para apólices com prêmios mais acessíveis, beneficiando o consumidor final. No caso dos corretores, eles recebem pareceres e conclusões mais assertivas da seguradora ao lidar com sinistros, o que aumenta a segurança do cliente e reduz a judicialização de casos. Essa nova realidade de precificação no mercado de seguros tem favorecido principalmente os ramos com maior incidência de fraudes, como o de seguros automotivos. Além disso, os resultados positivos têm impulsionado o surgimento de empresas antifraude em outros setores, como o de seguros de eletrônicos e celulares”, conclui.
É fato que a inteligência artificial impõe uma linha divisória entre o que deverá ficar no passado e o que já se projeta como determinante para as futuras gerações. A indústria securitária percebe com nitidez essa linha e parece ter feito sua opção por qual caminho seguir. Os resultados são evidentes.
De posse de um controle de dados proporcionado pela IA, as seguradoras terão mais precisão para identificação do risco. Fato que todo o setor comemora. Mas, como define Lotterman, a palavra “responsabilidade”, antes mesmo de as soluções de inteligência artificial inundarem o mercado, ditará o rumo das relações com os consumidores: “A posse de dados proporcionada pela inteligência artificial permite às seguradoras uma maior precisão na identificação de fraudes e riscos. Regulamentações claras e princípios de não discriminação, privacidade e transparência devem guiar o uso responsável da inteligência artificial. O ponto dessa questão é sensível e ainda deveremos buscar por soluções e criar discussões contínuas entre as partes interessadas para garantir uma abordagem ética que beneficie a todos. Em nossa opinião, é coerente para o caso de seguro auto, pois um cliente que tenha um perfil de fraudes deverá ter sua entrada por um caminho mais cuidado do que um cliente sem essa característica.”
Sem seguro, Blade Runner ficou, definitivamente, no passado.
André Felipe de Lima
Revista Apólice
* Esta matéria foi publicada na edição 289 da Revista Apólice