Folha de São Paulo – 11.mar.2024 às 6h00 – Keira Wright – Celia Bergin – Ilena Peng – LONDRES, SYDNEY (AUSTRÁLIA) e NOVA YORK | BLOOMBERG
O produtor australiano de uvas Tony Townsend destruiu metade de sua vinha de 14 hectares no ano passado. Os campos estavam saudáveis e repletos, mas ele estima que teria perdido cerca de 35 mil dólares australianos (US$ 23 mil ou R$ 114,58 mil) para colhê-los.
Enquanto uma onda de calor o impede de colher o restante, ele planeja concluir o trabalho assim que o clima esfriar —perdendo todas as videiras que cuidou durante a última década.
“Eu gostava de estar na indústria do vinho, mas é economicamente inviável continuar assim”, disse Townsend em sua fazenda, onde uma pilha de plantas descartadas aguarda para ser queimada.
Ele mora em Riverland, no sul da Austrália, uma região que produz cerca de um terço da produção nacional. Desde 2020, uma convergência de aumentos de custos impulsionados pela Covid-19 e tarifas chinesas aumentou a oferta e diminuiu os preços no país.
Townsend não é tão dependente do cultivo de uvas para sua renda, pois trabalha em meio período no turismo de vinho e comida. Porém, nem todo agricultor vive a mesma situação. “Há muitas pessoas que não veem futuro na indústria do vinho”, disse Lyndall Rowe, CEO da Riverland Wine, grupo empresarial que representa produtores e vinicultores.
MUITO VINHO E MENOS CONSUMO
É um problema que está ocorrendo em todo o mundo. Embora a produção mundial de 2023 tenha sido a mais baixa em 60 anos, há um excesso de vinho no mercado, sinalizando que a demanda está caindo ainda mais rapidamente.
Embora os dados da Organização Internacional da Vinha e do Vinho mostrem que o consumo global tem ficado atrás da produção de vinho desde pelo menos 1995, a indústria atingiu um ponto de inflexão à medida que mudam os padrões de consumo e as condições econômicas desanimadoras parecem que vieram para ficar.
“(A Califórnia, nos EUA, enfrenta) um dos piores desequilíbrios entre demanda e oferta que vimos em 30 anos”, disse Stuart Spencer, diretor executivo da Comissão de Vinhos de Lodi no Vale Central. Enquanto isso, a Austrália produziu a menor quantidade de vinho em 15 anos na temporada 2022-23, mas ainda mantém estoques altos, segundo relatório de novembro da Wine Australia, um grupo de empresários.
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Além da Covid, os custos de insumos como combustível e fertilizantes aumentaram devido à guerra na Ucrânia e os prêmios de seguro estão aumentando devido às mudanças climáticas, comentou Richard Halstead, diretor de operações de insights do consumidor na empresa de pesquisa de bebidas alcoólicas IWSR.
“Os recentes aumentos nos custos de insumos desestabilizaram o modelo econômico muito delicado do vinho”, afirmou.
Ao mesmo tempo, a mudança no consumo está ocorrendo, com o vinho tinto sendo substituído por vinhos espumantes, rosés ou brancos com teor alcoólico mais baixo, disse Christophe Chateau, porta-voz do Conselho de Vinhos de Bordeaux, na França. Os consumidores da geração Z também estão consumindo menos álcool, impulsionando um boom em bebidas não alcoólicas.
Em Riverland, por exemplo, Rowe não espera que muitos produtores de vinho tinto, que compõem quase toda a produção da região, consigam obter lucro nesta temporada. Parte dos agricultores já está substituindo as videiras por outras culturas como amêndoas ou melancias.
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Na Espanha, há um excesso de vinhos tintos de Rioja, de acordo com José Luis Benítez, diretor geral da Federação Espanhola de Vinho, enquanto a demanda por vinho branco está em alta.
“(Os agricultores) terão problemas em um ou dois anos porque não se pode transformar tintos em brancos”, disse Benítez.
O governo francês originalmente destinou 200 milhões de euros (US$ 216 milhões ou R$ 1,07 bilhão) para ajudar os agricultores em todo o país a arrancar vinhas e enviar seu vinho para ser convertido em etanol, prometendo a cada agricultor 75 euros por hectolitro. Bordeaux, uma importante região produtora de vinho tinto, recebeu financiamento adicional para arrancar 9.500 hectares de terra.
Mas a destruição de suprimentos não está tendo um efeito significativo. A França ultrapassou a Itália e se tornou o maior produtor de vinho do mundo em 2023. As inscrições para o esquema de etanol foram tão grandes que cada agricultor só pôde descarregar metade do volume desejado, segundo a fabricante Chateau.
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Os produtores de Bordeaux participaram dos protestos de agricultores franceses em janeiro, bloqueando estradas em todo o país devido à remoção dos subsídios aos combustíveis e às políticas verdes da UE. Os viticultores ganharam mais 150 milhões de euros (R$ 809,3 milhõe) para arrancar videiras e plantar outras culturas.
Mas os ajustes são particularmente difíceis para uma indústria como a do vinho. Muitos vinicultores fazem isso por várias gerações e se agarram à tradição. A natureza do cultivo de uvas também significa longos prazos e as uvas, em si, não podem ser facilmente vendidas e reaproveitadas.
“O que você planta hoje vai sustentar os seus filhos —ou até mesmo de seus netos”, disse Halstead. “Portanto, quando os mercados mudam, pode ser muito difícil responder rapidamente.” Uma videira bem cuidada pode durar mais de 50 anos, afirma Halstead.
As marcas também não fizeram o suficiente para acompanhar as mudanças, disse Spiros Malandrakis, gerente da indústria de bebidas alcoólicas na Euromonitor International. Por exemplo, ao focar no desenvolvimento de marcas premium em um momento em que o orçamento das pessoas está apertado, a indústria mostra que está falhando em cultivar uma nova geração de apreciadores de vinho.
“Se não houver marcas de vinho baratas, econômicas e confiáveis, você simplesmente deixará o vinho e passará a consumir bebidas prontas, cerveja ou marcas de destilados baratas”, analisou Malandrakis, acrescentando que o uso de cannabis pela geração Z também diminuiu o apelo do vinho.
Isso não deixa muita opção para muitos agricultores senão sair completamente da indústria. Uma pesquisa realizada pela Riverland Wine em 2022 descobriu que cerca de um quarto dos produtores da região planejam sair nos próximos três anos.
Para Townsend, assim que ele terminar de remover suas videiras, ele planeja cultivar a terra árida com plantas nativas. “O dinheiro que teria sido perdido com nossas videiras no final agora nos trará alegria em dobro quando pudermos ver os animais e pássaros nativos voltarem para nossa terra”, disse.