Folha de São Paulo – 23.jan.2025 às 9h21 – São Paulo

O dólar abriu próximo da estabilidade nesta quinta-feira (23) e segue abaixo do patamar de R$ 6, como ocorreu no dia anterior ao romper essa barreira pela primeira vez desde dezembro, quando esteve em uma sequência de disparadas em meio ao estresse fiscal do país.

Os investidores aguardam novos anúncios do presidente dos EUA, Donald Trump, e também já se preparam para os anúncios dos bancos centrais na próxima semana sobre as taxas de juros.

Às 9h04, a moeda norte-americana oscilava para cima em 0,04%, cotada a R$ 5,9487. Na quarta-feira (22), o dólar despencou 1,40% e terminou o dia cotado a R$ 5,956. Já a Bolsa caiu 0,29%, aos 122.971 pontos.

Após tomar posse na segunda-feira, o republicano iniciou o segundo mandato com uma série de decretos e anúncios de planos para as próximas semanas. Entre eles, que poderá impor tarifas de importação a produtos da União Europeia e da China no início de fevereiro, mesma ameaça feita contra Canadá e México.

A promessa de uma política tarifária mais protecionista esteve no centro da campanha presidencial de Trump. Segundo especialistas em comércio, as medidas afetariam os fluxos comerciais, aumentariam custos e provocariam retaliações.

O principal temor, no entanto, é sobre o efeito na economia doméstica dos EUA. As tarifas têm potencial inflacionário, o que pode comprometer a briga do Fed (Federal Reserve, o banco central do país) contra a inflação e forçar a manutenção da taxa de juros em patamares elevados. E, quanto mais altos os juros por lá, melhor para o dólar, que se torna mais atraente conforme os rendimentos dos títulos ligados ao Tesouro norte-americano crescem.

Apesar das falas nos primeiros dias no cargo, o mercado pondera se as ameaças são bravatas políticas ou de fato planos concretos do presidente. Até agora, Trump apenas orientou que as agências federais investiguem os déficits comerciais dos EUA e práticas comerciais “injustas” de países parceiros.

“Essa abordagem do governo Trump, de primeiro ameaçar para depois estudar se realmente vai ser implantada alguma tarifa sobre as outras economias, tem levado a um movimento de enfraquecimento global do dólar”, disse Leonel Mattos, analista de Inteligência de Mercado da StoneX.

“Visto o que se antecipava, o receio era de que ele teria uma postura agressiva já no seu primeiro dia de mandato.”

Com temores de um repique inflacionário por causa das tarifas, o dólar vinha acumulado ganhos em relação às demais moedas antes da posse do presidente. Agora, investidores têm retirado investimentos na divida norte-americana.

Além do real, os pesos mexicano, colombiano e chileno também apresentaram ganhos firmes em relação ao dólar na quarta-feira.

O presidente eleito dos EUA, Donald Trump, faz juramento durante sua posse, enquanto Melania segura a Bíblia no dia da posse do segundo mandato presidencial do marido

    O movimento desta quarta também é atribuído, segundo o economista André Perfeito, a efeitos acumulados da taxa Selic.

    “Não é possível dizer que o real está ganhando força sozinho, mas se acumulam evidências de que a moeda brasileira pode estar se valorizando pelos efeitos cumulativos da taxa Selic em alta”, avalia ele.

    A taxa básica de juros do país está em 12,25% ao ano e deve chegar a 14,25% até março, conforme indicado pelo Copom (Comitê de Política Monetária) do BC (Banco Central) na última reunião de 2024.

    Quanto maiores os juros no Brasil e menores nos Estados Unidos, melhor para o real, que se torna mais atraente para investimentos de “carry trade” —isto é, quando investidores tomam empréstimos a taxas baixas e aplicam recursos em moedas de países de taxas altas, para rentabilizar sobre o diferencial de juros.

    “Não podemos e nem devemos assumir que o real vai se apreciar fortemente nos próximos meses, muito pelo contrário, mas também é evidente que o mercado está considerando seriamente os R$ 6,00 como o ponto de gravidade.”

    Os economistas são categóricos ao afirmar que a trajetória da moeda nos próximos meses é incerta. Isso porque o câmbio responde a uma série de variáveis difíceis de prever —entre elas, o próprio mandato de Trump, a política monetária do Fed e a cena fiscal do Brasil.

    Nesta quarta, o economista-chefe do Itaú Unibanco e ex-diretor do Banco Central Mario Mesquita afirmou à Folha que a conta de valor justo para o real é com o dólar a R$ 5,70, mas, para voltar a esse patamar, visto pela última vez há três meses, é necessário que o governo tenha uma ação fiscal forte, que reforce o arcabouço fiscal e demonstre seu compromisso.

    “Esse é o momento de reforçar o arcabouço fiscal, não de enfraquecer. Acho que para recuperar a credibilidade, a confiança, às vezes você precisa fazer um ato mais emblemático”, disse Mesquita em Davos, onde participa da reunião anual do Fórum Econômico Mundial.

    “O que a gente tem sugerido é que o arcabouço, na verdade, deveria ser reforçado com um limite de crescimento de 1,5%, e não de 2,5%. E a gente também apresenta várias medidas que poderiam ser contempladas, que têm a ver com a rigidez do processo orçamentário brasileiro, da execução fiscal no Brasil.”

    Em meados de dezembro, no momento de maior estresse com relação às incertezas fiscais do país, o dólar chegou a ultrapassar os R$ 6,26. Desde então, acumula queda de 5,61%

    Ele contesta, no entanto, que haja fuga de investidores. “No começo do ano, a entrada de recurso na Bolsa foi expressiva, mesmo porque os ativos brasileiros estão muito baratos. O Brasil, ano passado, segundo o Unctad [órgão da ONU para comércio e desenvolvimento], foi o quinto maior destino de investimento estrangeiro direto, globalmente. E tem mantido essa posição.”

    Mesquita não descarta, tampouco, a possibilidade de o Brasil se beneficiar durante a gestão de Donald Trump nos EUA. Isso se o republicano “se acalmar um pouco” e se o cenário hoje opaco se desanuviar, o que abriria espaço para o país se beneficiar das altas taxas de juros, hoje em 12,25%; o Itaú Unibanco prevê que chegue a 15,75% até o fim do ano sob a gestão de Gabriel Galípolo.

    Para Matheus Massote, sócio da One Investimentos, caso a conjuntura atual se mantenha e os EUA implementem “tarifas benéficas” ao Brasil, é possível que o dólar fique abaixo de R$ 6 “com uma certa frequência”.

    “Tarifas benéficas, nesse sentido, são políticas que não barram nossas exportações aos Estados Unidos e que limitem o comércio com a China. Por exemplo, se forem impostas tarifas altas aos chineses, a China pode retaliar deixando de comprar produtos dos Estados Unidos e fortalecendo laços com o Brasil, o que melhora nossa balança comercial”, avalia ele.

    “Mantidos juros altos, balança comercial positiva, inflação sendo controlada e tarifas benéficas ao Brasil, vemos um cenário relativamente positivo para o real, com o dólar rondando a casa de R$ 5,70, até R$ 5,60 é razoável.”