03 de Outubro de 2022 – Revista de Seguros
A economia mundial corre para o mar, gerando ondas crescentes de negócios e investimentos. Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o conjunto global de atividades relacionadas a mares e oceanos deve movimentar US$ 3 trilhões até 2030. O Brasil exerce papel estratégico nessa área, que inclui desde a construção naval até a exploração de riquezas minerais e energéticas, passando por transportes, pesca, turismo, esportes e biotecnologia. No entanto, o País ainda não tem uma metodologia oficialmente reconhecida para o cálculo do “PIB do Mar”, além de engatinhar em políticas de sustentabilidade.
Especialista no tema, Thauan Santos é professor doutor do Programa de Pós-Graduação em Estudos Marítimos da Escola de Guerra Naval (PPGEM/EGN) e, desde 2019, coordena o Grupo Economia do Mar (GEM). Segundo ele, a Economia Azul é a nova fronteira a ser desbravada no século 21, o que exige um compromisso entre crescimento econômico e preservação do ambiente marinho. “Esse equilíbrio é fundamental para que a economia possa crescer de modo sustentável, com foco em premissas de governança social, ambiental e corporativa”, afirma.
A seguir, leia os principais pontos de sua entrevista exclusiva à Revista de Seguros.
O mar pode ser caracterizado como agente econômico, pela diversidade de suas fontes de riquezas e as múltiplas possibilidades de exploração. Como mensurar isso?
Existem diferentes formas de mensuração, com uso frequente de metodologias quantitativas e estatísticas da Economia. Entre elas, podemos mencionar: Matriz Insumo-Produto (MIP), Econometria, Sistema de Contas Nacionais (SCN) e Contas Satélites (CS). A partir dessa mensuração, é possível identificar a relevância do mar no PIB de um país. No Brasil, inexiste até o momento um dado oficial que demonstre essa relevância.
Por que a carência de dados oficiais nessa área?
O conceito Economia do Mar ainda é muito recente. Somente há dez anos o mundo começou a discutir o tema de forma mais abrangente. Por isso, a carência de dados e estatísticas, principalmente no Brasil. Hoje, ainda não existe um planejamento integrado dos setores da Economia do Mar.
O Brasil tem uma faixa litorânea com quase 11 mil quilômetros de extensão.Ao todo, são 279 municípios de frente para o mar. Além disso, há sob sua jurisdição uma área oceânica com cerca de 5,7 milhões de quilômetros quadrados. Mas a Economia do Mar ainda não é um foco primário de atenção em termos de políticas públicas. Por quê?
Há muitas razões para isso — e não é uma particularidade única do Brasil. A sociedade não olha para o mar como fonte de riquezas. Falta a chamada “mentalidade marítima”. Ou seja, a percepção individual e coletiva da importância do mar para a nação brasileira. Isso não acontece na prática. Precisamos avançar em matéria de direitos regulatórios, investimentos, políticas de incentivo e inovação. Só agora a Economia do Mar começa a ganhar protagonismo no debate nacional.
A Economia do Mar traz uma série de oportunidades para o Brasil e contribui para a retomada do desenvolvimento. Quais são as ações estratégicas que ajudam a promover essas atividades?
Eu destaco três grandes movimentos nesse sentido: um é a criação do Grupo Técnico PIB do Mar, coordenado pelo Ministério da Economia e “O conceito Economia do Mar ainda é muito recente. Somente há dez anos o mundo começou a discutir o tema de forma mais abrangente. Por isso, a carência de dados e estatísticas, principalmente no Brasil.” pela Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM), que inclui também o IBGE. O grupo vem estabelecendo uma metodologia oficialmente reconhecida para o cálculo do PIB do Mar, quantificando o valor gerado pela soma das atividades ligadas ao mar. Outra iniciativa importante, que está sendo financiada pelo BNDES, é o Planejamento Espacial Marinho (PEM). Esse estudo vai permitir que o País conheça a vocação econômica de toda a costa brasileira. Assim teremos bases para o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental, que dialogam com setores da Economia do Mar. Um terceiro ponto é a política marítima nacional, que também reúne um Grupo Técnico para avançar nesse debate.
Esta é considerada a Década do Oceano pela Comissão Oceanográfica Intergovernamental da Unesco, que elencou sete metas para serem alcançadas até 2030. O que podemos esperar?
A Economia do Mar pode ser entendida como a nova fronteira da economia no século 21, dado todo o potencial de geração de renda, empregos, novos negócios e garantia de insumos essenciais à dinâmica da economia global. No contexto da “Década do Oceano” (2021-2030), fica evidente a relevância do oceano como fonte de riqueza, no resultado esperado “oceano produtivo”. Contudo, a exploração de novos segmentos no oceano exige investimento em ciência, inovação e cooperação internacional, dados os desafios tecnológicos e os elevados custos das atividades no ambiente marinho
Essas metas são alcançáveis?
As metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS 14) tratam principalmente da redução dos níveis de poluição, conservação da biodiversidade e ecossistemas, regulação da pesca e promoção das ciências marinhas. Uma década que busca conhecer melhor o oceano. Precisamos de um engajamento forte em todos os níveis da sociedade para gerar mais conhecimento. A ideia é que a gente consiga até o final da década obter números oficiais para embasar políticas públicas. Por isso, a importância da cooperação internacional nessa área. O slogan é “A Ciência que precisamos para o oceano que queremos”.
E que oceano queremos?
Um oceano limpo, produtivo, que gere emprego e renda de modo sustentável, que tenha uma fauna e flora saudáveis e que siga contribuindo para a melhoria do clima. O oceano é muito mais que um meio de viabilizar o transporte marítimo internacional. Ele é riqueza em si mesmo. A pergunta é: como vamos explorar essa riqueza? Não podemos ter uma Economia Azul, alinhada ao desenvolvimento sustentável, à inclusão e à economia circular, se não houver uma mudança de paradigma em termos culturais. Isso abrange desde atitudes individuais até decisões de grandes empresas e políticas públicas. É um movimento multinível.
O senhor defende ampliar o conhecimento de empresas e investidores sobre os potenciais da Economia do Mar. Como gerar consciência sobre esse tema, dentro dos padrões ESG?
É essencial que os diferentes atores econômicos conheçam o assunto, especialmente para que tenham noção do “mar de oportunidades” existentes. Seja por amplo desconhecimento, seja por conhecimento raso sobre o assunto, empreendedores e financiadores deixam de explorar e promover novos negócios azuis, alinhados à agenda global de desenvolvimento sustentável. Para haver maior consciência sobre o tema, é importante que haja também um papel ativo da comunicação, bem como um estreitamento do diálogo entre a academia e sociedade.
Os portos marítimos escoam mais de 90% das exportações no Brasil. Qual o peso dessas atividades no PIB nacional?
Considerando as exportações brasileiras baseadas em dados oficiais do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio Exterior e Serviços, 88,4% se deram por via marítima em 2021. Com base em dados oficiais da Agência Nacional de Transporte Aquaviário (Antaq), a movimentação portuária no ano passado foi de 1,21 bilhão de toneladas – um crescimento de 4,8% em comparação a 2020. Entre as principais cargas movimentadas, estão minério de ferro, petróleo, contêineres e soja, respectivamente, com destaque para a exportação para China, Estados Unidos, Malásia, Singapura e Japão, sobretudo.
Em janeiro, foi sancionada a BR do Mar, projeto de lei com incentivos à navegação na costa brasileira, que deu ênfase à flexibilização de regras para aluguel e afretamento de embarcações estrangeiras entre os portos brasileiros. De que forma a cabotagem pode ser beneficiada com investimentos sustentáveis na Economia do Mar?
O mercado marítimo, como um todo, não somente aquele que opera na cabotagem, tem discutido formas de redução de emissões atmosféricas, discussão que passa pela adoção de novos tipos de combustíveis. Entre os concorrentes ao combustível marítimo do futuro, temos o hidrogênio (principalmente aquele presente na amônia), que tem vantagens em termos de armazenamento e transporte. Outro assunto que tem atraído bastante atenção é o desenvolvimento de parques eólicos offshore e, quando olhamos projetos como os dos portos de Pecém e do Açu, percebemos que essa fonte renovável, gerada em alto-mar, é aquela que possivelmente será empregada na produção desse tipo de combustível.
Como a indústria de seguros pode se beneficiar da Economia do Mar, considerando que o setor dialoga com transporte de cargas, exploração de óleo e gás, indústria naval e atividade pesqueira, entre outras?
No contexto da indústria de seguros, é essencial entender que a sustentabilidade tem sido cada vez mais relevante. Uma recente pesquisa com líderes marítimos seniores, o Global Maritime Issues Monitor 2020, mostrou o aumento da demanda por sustentabilidade e destacou a nova regulamentação ambiental como provável de ter impacto importante na indústria marítima nos próximos dez anos. Recentemente, a iniciativa Princípios para o Seguro Sustentável (PSI), da UNEP FI, lançou o primeiro guia global da indústria de seguros para enfrentar uma ampla gama de riscos de sustentabilidade. O guia delineia oito áreas que incluem possíveis ações para que as seguradoras gerenciem riscos de ESG e dois “mapas de calor” opcionais de alto nível, indicando o nível potencial de risco de ESG em todos os setores econômicos e linhas de negócios de seguros. É possível afirmar que a transição para uma economia líquida zero implicará riscos e oportunidades para as seguradoras, dado que a mudança climática está claramente tendo um impacto no setor de seguros.
No livro “Economia do Mar e Poder Marítimo”, lançado em 2021, o senhor comenta que não existe um manual em “Precisamos de engajamento forte da sociedade para gerar mais conhecimento. A ideia é obter, até o final da década, números oficiais para embasar políticas públicas. Por isso, a importância da cooperação internacional.” “É possível afirmar que a transição para uma economia líquida zero implicará riscos e oportunidades para as seguradoras, dado que a mudança climática está claramente tendo um impacto no setor de seguros.” língua portuguesa que discuta a Economia do Mar do Brasil. Como preencher esse vazio?
De fato, até o momento, inexiste um manual em língua portuguesa que discuta a Economia do Mar do Brasil. Buscando suprir essa carência, a Diretoria-Geral de Navegação está coordenando com quatro professores que atuam nessa área um manual brasileiro sobre Economia Azul. Como um dos coordenadores da obra, destaco que se trata de um grande esforço coletivo para proporcionar à sociedade brasileira um detalhado mapeamento dos principais temas, desafios, oportunidades e setores particulares ao caso brasileiro. Entre seus diferentes capítulos, contemplam-se temas relacionados a discussões sobre conceitos, metodologias, governança, ciência, tecnologia e inovação.