Empresas apontam que a modalidade conseguiu resolver 70% das demandas e encaminhar os casos de maior complexidade para o atendimento presencial

O Estado de S. Paulo – 09 de Novembro de 2020

O Estadão destaca que, até pouco tempo atrás, era impensável a um brasileiro que vive numa localidade longínqua, com poucos serviços médicos à disposição, ser atendido por um profissional de saúde de um grande hospital ou de uma clínica situados nos principais centros urbanos do País. Poder ter atendimento a um clique da mão parecia miragem. Não mais.

Desde o início da pandemia do novo coronavírus, a telemedicina, modalidade de atendimento a distância, foi permitida no Brasil. A autorização é válida em caráter emergencial, enquanto durar o estado de emergência decorrente da covid-19. Aplica-se para fins de assistência, pesquisa, promoção de saúde, prevenção de doenças e lesões.

Telemedicina não é novidade no mundo médico. A norma que define o instrumento no Brasil data de 2002, quando o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou a Resolução CFM n° 1.643, com base em documento conhecido como “Declaração de Tel Aviv sobre Responsabilidades e Normas Éticas na Utilização da Telemedicina”, de 1999.

No entanto, desde então, o País vinha avançando pouco nesta área. Uma tentativa do CFM de regulamentar a prática de telemedicina e de teleassistência médica naufragou em 2019. Veio a pandemia, e o coronavírus acabou impondo o atendimento remoto como necessidade para proteger pacientes do risco de contaminação. Sua utilização pelos brasileiros explodiu. Tem sido assim no mundo todo.

A oportunidade fez a opção cair no gosto de pacientes e médicos. A busca pelo serviço se multiplicou: estima-se que já tenhamos ultrapassado a marca de mais de 2 milhões de consultas e atendimentos feitos online no País. Nos principais hospitais privados do Brasil, até o fim deste ano a telemedicina deverá representar até 25% do total de consultas em ambulatórios. O caminho para uma expansão ainda maior está aberto, inclusive no Sistema Único de Saúde (SUS).

CARÁTER TEMPORÁRIO

Poucos têm se dado conta, porém, que a telemedicina ainda não é uma conquista garantida definitivamente aos brasileiros. A modalidade está em vigor no País com base em regulamentação de caráter excepcional, de forma temporária e emergencial. Ou seja, tal como existe hoje, só poderá ser oferecida à população enquanto perdurar a emergência em saúde pública decorrente do novo coronavírus.

O desafio agora é, portanto, caminhar rapidamente para uma regulamentação definitiva que consolide esta importante inovação para a saúde dos 210 milhões de brasileiros. De acordo com decisão recente tomada pelo Congresso Nacional, o papel de determinar como a telemedicina poderá ser praticada no Brasil após o fim da pandemia cabe ao CFM.

Não há, porém, prazos fixados para isso, o que tem preocupado pacientes, empresas, médicos, hospitais e operadoras de planos de saúde. Sem a regulamentação, a telemedicina simplesmente terá de deixar de ser oferecida aos brasileiros, colocando o País na contramão do resto do mundo.

Seguindo a experiência internacional, o Brasil deve caminhar para uma regra de caráter mais geral e abrangente, que ofereça segurança jurídica aos envolvidos e não incorra no risco de travar o desenvolvimento da telemedicina. Afinal, como tudo que envolve tecnologia e modernização, este é um campo de atividade sujeito a mudanças rápidas, constantes e intensas.

Cuidados importantes também precisam ser respeitados quando for feita a regulamentação definitiva da telemedicina no País. Entre eles está garantir a proteção, a preservação e o sigilo dos dados relacionados aos atendimentos médicos. O cuidado é, sempre, assegurar a total privacidade a inviolabilidade, e preservar a confiança entre pacientes e prestadores.

PARCEIRA, NÃO CONCORRENTE

A telemedicina veio para agregar, não para competir com as modalidades de atendimento presencial ou substituí-las. É, pois, uma parceira. Caberá ao médico sempre avaliar quando e como ela é a melhor alternativa.

O atendimento a distância abre enorme possibilidade de ampliação de acesso à assistência à saúde e fortalece a atenção primária, principalmente na prevenção e no acompanhamento de pacientes com doenças crônicas. Num país de dimensões como as do Brasil, torna-se instrumento crucial para cuidar da saúde e salvar vidas.

A telemedicina também permite que intervenções médicas sejam feitas antes de uma doença se agravar a ponto de o paciente ter de ir ao hospital, onde, por definição, devem ser atendidos casos de mais alta complexidade e, consequentemente, de alto custo. Consultas por telemedicina podem evitar idas desnecessárias a pronto-socorros, o que ajuda a reduzir despesas e a humanizar o atendimento. Pesquisa recente realizada pelo Serviço Social da Indústria (Sesi) aponta que a telessaúde consegue resolver até 70% das demandas por atendimento.

RISCO DE BANALIZAÇÃO

É preciso ter claro, porém, que não é qualquer oferta de atendimento remoto, digital, que caracteriza a assistência de saúde por telemedicina. Esta deve ser continuada, perene e sistêmica, como fazem, por exemplo, planos e seguros de saúde. Operadoras são muito diferentes de healthtechs e startups ou de meras plataformas tecnológicas de acesso a distância.

As operadoras de planos de saúde oferecem assistência integral ao beneficiário, de forma regulada, padronizada e sujeita a obrigações contratuais, regulatórias e legais, com prazos e critérios mínimos de qualidade de atendimento. Têm que respeitar a rigorosa Lei Geral de Proteção de Dados, que classifica informação sobre saúde no nível mais alto de sensibilidade. Então, é preciso atenção para que não se banalize algo que deve ser bem cuidado para o bem de todos.

A crise sanitária, econômica e social resultante da pandemia obrigará os sistemas público e privado de saúde a lidar com recursos financeiros mais limitados e restrições orçamentárias severas em função do desemprego e das dificuldades fiscais do Estado. Num ambiente assim, a telemedicina será aliada ainda mais relevante para que o País consiga atender mais pessoas, com mais qualidade e custos menores, em um sistema mais racional e eficaz para os brasileiros.

Frases

“A regulamentação definitiva da telemedicina visa fortalecer a saúde coletiva, não só nas cidades com boa estrutura, mas nos vazios assistenciais e nas regiões de difícil acesso” – Williames Freire Bezerra, presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems)

“Num País continental como o nosso, com tamanhas diferenças de todas as naturezas, a telemedicina democratiza o acesso à medicina de qualidade, diminui idas desnecessárias a prontosocorros e permite levar a prevenção a muito mais pessoas” – Eduardo Amaro, presidente da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp)

“As empresas apontam que a telessaúde conseguiu resolver 70% das demandas e encaminhar os casos de maior complexidade para o atendimento presencial” – Rafael Lucchesi, diretor-superintendente do Serviço Social da Indústria (Sesi)

“Há cerca de 20 anos, organizações médicas de todo o mundo já haviam se dado conta do potencial da telemedicina e da importância de sua regulamentação, de modo a permitir seu uso com eficiência, ética e responsabilidade” – José Luiz Gomes do Amaral, presidente da Associação Paulista de Medicina (APM)

“O que os brasileiros esperam é que a decisão sobre a regulamentação não demore. Mais do que isso: que não seja uma legislação limitadora, que traga o risco de travar o desenvolvimento da telemedicina no País e nos coloque na contramão do resto do mundo” – Vera Valente, diretora executiva da Federação Nacional de Saúde Suplementar (Fenasaúde)

“Conseguimos reduzir a lista de espera por atendimentos na cidade em até 60%, com a definição de critérios de gravidade, ordenando a fila de maneira inteligente e usando a telemedicina para fortalecer a clínica na Atenção Primária à Saúde” – Erno Harzheim, ex-secretário de Saúde de Porto Alegre e ex-secretário de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde

“A telemedicina consegue uma coisa que a consulta convencional não consegue. Quando o paciente vem até o meu consultório, eu só enxergo a realidade dele dentro da minha sala. Na teleconsulta, posso conhecer as condições de vida dele” – Chao Lung Wen, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

“Se antes da covid-19 a telemedicina já era importante para ampliar o acesso à saúde, com a pandemia ela se afirma como indispensável” – Carlos Eduardo Lula, presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass)