O novo marco regulatório dos Seguros de Danos não é tão somente uma imposição do regulador, mas uma resposta da sociedade às mudanças que esse novo tempo demanda.
Sonho Seguro – Por Denise Bueno -15/04/2021 08:10
Luciana Prado e Marcia Cicarelli, Sócias da área de Seguros e Resseguros do Demarest Advogados
Para aqueles que militam no setor de seguros há algumas décadas, o caráter disruptivo da nova gestão da SUSEP e a edição da Circular SUSEP nº. 621, de 12 de fevereiro de 2021 (“Circular Massificados”), e da Resolução CNSP nº. 407, de 29 de março de 2021 (“Resolução Grandes Riscos”), novo Marco Regulatório dos Seguros de Danos, trazem uma luz para um futuro muito promissor do mercado de seguros no Brasil.
Se para nós da geração X, a Circular Massificados traz uma nova forma de pensar o seguro, para a nova geração de consumidores e profissionais, que vê nas start-ups, fintechs e insurtechs o modelo mais próximo de sua realidade hiper conectada a um mundo globalizado, falar de algumas mudanças trazidas pela Circular Massificados poderia até soar um pouco retrógrado, pois muitos deles nos perguntaria: “Mas, por que isso é novidade? Não deveria ter sido sempre assim?”
Fato é que o novo marco regulatório dos Seguros de Danos não é tão somente uma imposição do regulador, mas uma resposta da sociedade às mudanças que esse novo tempo demanda, o que exigirá de todo o mercado uma avaliação criteriosa sobre como cada empresa pretende se posicionar daqui em diante e sobre quais investimentos estão dispostos a fazer para consolidar esse posicionamento.
Revisar as condições contratuais de cada um dos produtos (até em razão do prazo de 180 dias trazido pela Nova Circular para adaptação dos produtos, se necessário) para deixá-las mais claras, objetivas e de fácil entendimento, como prevê a nova norma, não será o suficiente para atender ao espírito da norma. Apesar de confiarem na solidez e solvência do mercado tradicional de seguros, os clientes já demandam produtos e soluções mais eficientes, práticos e adaptáveis à sua realidade e necessidade atuais.
Será necessária realmente uma revisão dos produtos, das coberturas a serem oferecidas de acordo com o perfil e necessidade do cliente, da tecnologia embarcada nesses produtos, da utilização de dados estatísticos para uma precificação adequada, enfim, do olhar mais direcionado para o cliente final.
Não será mais possível falarmos em “segurês” ou “juridiquês” nesse novo mundo tech no qual a nova norma se encaixa. Nesse ponto, a liberdade trazida pelo novo marco regulatório vai permitir ao mercado ser mais criativo e direto com relação àquilo que se pretende ou não cobrir, sem precisar ficar “desdizendo”, via uma condição particular ou especial, aquilo que estava “dito” nas condições gerais mas que, em realidade, não se queria cobrir ou excluir, fonte de dificuldades de interpretação e litigiosidade.
A clara menção à possibilidade de conjugação de coberturas, apesar de não ser algo novo (nos seguros de automóvel, por exemplo, é padrão haver cobertura de danos, pessoas e responsabilidade civil em uma única apólice), abre uma janela de oportunidade criativa para que o mercado monte produtos mais atrativos aos clientes, otimizando custos e facilitando a vida do segurado, que poderá concentrar todas as suas necessidades de cobertura (para casa, carro, outros bens, etc.) em uma única ou poucas apólices.
Apesar de a Circular Massificados dispor tão somente sobre os seguros de danos, acreditamos que, pelo seu teor, será possível a criação de produtos que cumulem coberturas dos ramos de pessoas com os de danos.
A abertura para maior liberdade na forma de cobrança dos prêmios (em parcela única, periódica, de acordo com a utilização ou de outra forma a ser criada e disposta contratualmente) visa possibilitar justamente a implantação de novos produtos “liga” e desliga” com coberturas intermitentes e outras formas de cobertura não lineares.
E todas essas mudanças não andam sozinhas.
Se para os consumidores em geral a cara do seguro irá mudar, para os contratantes de seguros de grandes riscos[2]a mudança será ainda maior.
A Resolução Grandes Riscos traz uma quebra de paradigma para o setor.
A norma traduz a máxima dos princípios da liberdade contratual e da intervenção mínima do estado presentes em nosso ordenamento jurídico, deixando ao livre critério das partes fixar a forma e as condições em que a contratação do seguro de dará.
Na Resolução Grandes Riscos há apenas a determinação dos princípios a se seguir (boa-fé, transparência, tratamento paritário e estímulo à adoção de soluções alternativas de litígios) e alguns elementos mínimos obrigatórios que o contrato deve detalhar, elementos esses que, diga-se de passagem, são bem característicos de qualquer contratação de seguro (riscos cobertos e excluídos, regras para pagamento de prêmio, limite máximo de cobertura, dentre outros).
Isso abre margem para uma subscrição e precificação dos riscos muito mais detalhada e acertada, já que as partes poderão estabelecer condições específicas de forma a delimitar as coberturas necessárias e exclusões aplicáveis. Nesse sentido, o papel do subscritor de risco das seguradoras, do corretor de seguros e do gestor de riscos dos segurados ganha papel fundamental no processo diante do novo modelo.
Outro fator de extrema relevância, é que esses novos produtos, tanto massificados quanto os de grandes riscos, emitidos com base no novo marco regulatório e com novas formatações de cobertura, demandarão novos arranjos em contratos de resseguro, até então também pouco discutidos desde a abertura do mercado brasileiro em 2007.
A sinergia e o diálogo com o mercado ressegurador será cada vez mais intensa, demandando das partes maior habilidade na negociação dos contratos e discussão das cláusulas e condições do resseguro, além de uma antecipação da participação do ressegurador no processo de contratação, em especial nos resseguros facultativos com cláusulas back to back.
Por parte do regulador, para ampliar a participação do resseguro nesse cenário tão mais detalhado de contratação de seguro, talvez seja o momento de uma abertura para discussão de novos modelos de resseguro ainda não admitidos no Brasil, como o resseguro financeiro, por exemplo.
Percebe-se, por fim, que a Circular Massificados e a Resolução Grandes Riscos vêm em um contexto muito mais amplo e terá que conversar (no melhor conceito da teoria do diálogo das fontes) com as futuras novas normas de meios remotos, de microsseguros e de seguros de responsabilidades (todas em consulta pública) e com outras que o regulador certamente vai colocar à discussão nesse modelo de inovação e vanguarda que tanto era esperado.
[2] Definidos pela Resolução Grandes Riscos como: (i) seguros de riscos de petróleo, riscos nomeados e operacionais – RNO, global de bancos, aeronáuticos, marítimos e nucleares ou crédito interno e crédito à exportação (quando pessoa jurídica); ou (ii) seguros dos demais ramos, desde que contratados por pessoas jurídicas que apresentem pelo menos uma das seguintes características: a) limite máximo de garantia (LMG) superior a R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais); b) ativo total superior a R$ 27.000.000,00 (vinte e sete milhões de reais), no exercício imediatamente anterior; ou c) faturamento bruto anual superior a R$ 57.000.000,00 (cinquenta e sete milhões de reais), no exercício imediatamente anterior.