- Revista Apólice – 02 de fevereiro de 2024
As tragédias naturais e a crise dos estragos causados por elas são tema recorrente nos noticiários. Longe de ser mera pauta sensacionalista, é inegável o aumento da intensidade de catástrofes geradas por secas, enchentes e ondas de calor no mundo todo. Estima-se prejuízos mundiais decorrentes de desastres naturais na marca de U$ 295 bilhões somente entre janeiro e setembro de 2023. No Brasil, o valor chega a U$ 555 milhões, com parcela significativa de U$ 205 milhões causados pelas chuvas no Rio Grande do Sul em junho deste ano.
Como exemplo dos impactos gerados por tragédias naturais, destaca-se a crise climática dos Estados Unidos. Na Califórnia, os incêndios ambientais têm afetado a população e, com a alta incidência de estragos causados em áreas residenciais, aumentou a busca por seguros. Contudo, a crise climática causa uma crise securitária, uma vez que seguradoras estão encerrando as atividades em estados com alta sinistralidade por considerarem inviável a atuação.
Parece contraditório o aumento da demanda por seguros de catástrofes gerar um recuo nas seguradoras. Contudo, com o crescimento dos prejuízos devido à intensidade e recorrência das tragédias naturais, as seguradoras precisam repensar a forma de atuação para que os valores despendidos com indenizações estratosféricas não as tornem insolventes.
As seguradoras devem considerar, além dos valores reservados às indenizações, quanto será cobrado a título de prêmio – valor devido pelo segurado à seguradora para emissão de um seguro. O cálculo do prêmio depende de inúmeros fatores e, dentre eles, a sinistralidade. Quanto mais provável a ocorrência de um sinistro, maior será o risco subscrito pela seguradora e mais alto será o valor cobrado para a emissão da apólice.
Ainda, a atuação não se resume às seguradoras que operam em locais com maior tendência de estragos por eventos naturais. Para pulverizar os riscos subscritos e pagamentos de indenizações, contrata-se o resseguro que é “o seguro das seguradoras” e possui atividade global. Logo, o aumento de sinistros e pagamento de indenizações em determinado local não se trata de um problema isolado, mas gera reflexos em toda a cadeia de resseguradoras envolvidas.
A pergunta a ser feita é: quem vai pagar por isso?
Serão cobrados prêmios cada vez maiores dos segurados, tornando o acesso ao seguro mais difícil? As seguradoras que ficarão sob ameaça de entrar em insolvência com o aumento da sinistralidade? Ou os governos chamarão para si a responsabilidade de mitigar os prejuízos?
Naturalmente, o ideal é que nenhum dos três pague a conta sozinho. Frente a um grande desafio, a união dos esforços e a pulverização dos impactos (inclusive do ponto de vista financeiro) é a melhor saída.
Os seguros podem e devem ser utilizados como um instrumento de auxílio à sociedade na adaptação às alterações climáticas, oferecendo uma forma de proteção à população diante de tragédias naturais. Afinal, dentre os atores citados no parágrafo anterior, as seguradoras são as mais bem preparadas para lidar com o desafio, por serem especialistas em riscos.
Por óbvio, catástrofes podem ocorrer em qualquer lugar, mas para áreas mais suscetíveis a desastres naturais e que, geralmente são ocupadas de forma indevida pela população, a cobrança de maiores prêmios também pode auxiliar no combate à habitação indevida (sinalizando as áreas mais vulneráveis).
Contudo, além da cobrança compatível de prêmios, pode haver iniciativa governamental para que a conta não fique exclusivamente para os segurados ou seguradoras. Como exemplo, citam-se programas assistenciais com a criação de seguros obrigatórios e, até mesmo, por meio de “parceiras público privadas envolvendo seguro para desastres”.A França pode ser citada como um exemplo de obrigatoriedade do seguro para “socializar o risco, disseminando o custo dos danos causados por desastres para toda a população”. Dessa forma, não há um único encarregado em suportar o ônus dos prejuízos, havendo o respaldo do seguro em valor acessível e como forma de pulverização. No país criou-se a resseguradora financiada pelo governo, Caisse Centrale de Réassurance (CCR) que, em contrapartida, fica responsável pelo resseguro de metade do risco das apólices de seguro para desastres, “com taxa extremamente competitiva”. O sistema é atraente para seguradoras privadas, que retêm 50% do risco e vendem os 50% restantes para o CCR. O governo fornece ao CCR uma garantia financeira, intervindo para pagar o excesso de responsabilidade quando 90% das reservas do CCR estiverem esgotadas (FELDMAN; FISH, 2015).”
No Brasil, há a proposta do Projeto de Lei nº 1.410/22 para um seguro obrigatório de danos pessoais e materiais de prejuízos causados por chuvas, em área urbana ou rural. Ele visa indenizações por morte e invalidez permanente e ressarcimento de danos materiais e a cobrança do prêmio seria com base no valor de venda do imóvel habitado, considerando uma alíquota maior para aqueles em áreas de maior risco.
O projeto se encontra em tramitação na Câmara dos Deputados. Por sua vez, a CNSeg propôs um substitutivo ao PL nº 1.410 para conceder auxílio funeral às mortes relacionadas às catástrofes naturais, além de cobertura para demais bens materiais, com um custo baixo ao segurado de até R$ 5 por mês.
Em paralelo à tramitação dos projetos, o desenvolvimento de demais alternativas para seguros e coberturas de “catástrofes” deve ser estudado em conjunto pelos players do mercado e governo, por meio de incentivos. Essa resposta é necessária para evitar o pagamento exclusivo do governo para remediar os estragos causados, mas também, oferecer maior segurança à população que reside em áreas de vulnerabilidade. E, para além, atuar como um meio educativo e de incentivo a fixação de residências em áreas de menor risco para desastres.Portanto, tão prejudicial quanto uma posição de negacionismo perante a crise enfrentada, seria adotar uma postura inerte, em que o problema somente seria debatido quando a atividade econômica das seguradoras e resseguradoras se tornasse inviável. Ao contrário, deve-se observar a necessidade de adaptação para maior proteção contra catástrofes naturais para desenvolvimento de produtos que não só atendem às dores da população, mas também implicam uma atrativa oportunidade de negócio para os players do mercado securitário.
* Por Maria Eduarda Gessner Le Senechal, advogada do núcleo de Seguros do Poletto & Possamai