Revista Cobertura – Por 123 visualizações – 24/03/2023 as 13:48 – por Paulo Viveiro, presidente de resseguros da THB Brasil
Contrariando a análise de especialistas que acreditavam que uma guerra entre Ucrânia e Rússia não aconteceria, o conflito completou um ano e não há previsão de término. Um exemplo da falta de crença em um conflito são os dados do Relatório de Riscos Globais do Fórum Econômico Mundial de 2022, que classificou o conflito interestatal (“conflito entre estados com consequências globais”) em 27º lugar entre 36 riscos. A rápida escalada do confronto afetou a política e economia muito além do leste europeu e implicou no setor de seguros e resseguros, podendo representar perdas de até US$ 35 bilhões, segundo a S&P Global.
Alguns seguradores e resseguradores decidiram voluntariamente reduzir sua exposição à Rússia não assinando novos contratos ou vendendo suas ações no país. As sanções vindas de outros países também afetaram o cumprimento de contratos, como, por exemplo, a proibição de sinistros para entidades russas. Além disso, muitos contratos possuem cláusulas de exclusão de guerra, ou ainda exclusão a embargos ou sanções, retirando a cobertura dos países que as sofrem. Porém, as consequências indiretas do conflito, que podem afetar empresas e governos, são inúmeras e podem persistir por muito tempo. Isso inclui o risco de novas sanções econômicas e comerciais, além da escassez de commodities e a introdução de novos riscos para cada negócio.
Um dos primeiros setores que viu o risco se elevar foi o de energia. Em dezembro de 2021, a Rússia respondia por cerca de 10% da produção mundial de petróleo. Com as sanções ao petróleo e gás russo, países da União Europeia estão tendo de buscar formas alternativas. Um caso de sucesso é o da Alemanha, que rapidamente conseguiu outros fornecedores e em 200 dias construiu o primeiro terminal de importação de gás natural liquefeito (GNL). Uma das possíveis consequências de longo prazo para o setor é a aceleração da transição para fontes de energia renováveis, o que demandará novas cobertura de seguros.
A logística global também foi prontamente afetada pelo conflito. No setor marítimo, o risco de danos físicos às embarcações por ataques a mísseis e bombardeios em zonas de conflito ou perdidos em minas marítimas, cargas bloqueadas ou presas em portos podem aumentar o nível de sinistralidade. As seguradoras que oferecem cobertura para Guerra, listaram o Mar Negro e o Mar de Azov como alto risco, aumentando os valores dos prêmios ou deixaram de oferecer a cobertura. Além disso, os trabalhadores russos representam 10% dos marinheiros do mundo, podendo ter dificuldades de voltar para casa ou se juntarem a tripulações. Desde o início da guerra, as taxas de seguro para embarcações que entram em outras águas russas aumentaram pelo menos 50%, segundo a Reuters. E, conforme mencionado acima, as coberturas de Guerra deixaram de ser oferecidas.
Na aeronáutica, além das sanções que proíbem o fornecimento de aeronaves ou peças para a Rússia, ainda há a expropriação russa de aeronaves arrendadas no exterior, fazendo com que centenas de aeronaves em solo russo jamais sejam devolvidas. A Fitch Ratings alertou que sinistros de até US$ 10 bilhões podem acontecer no seguro aeronáutico, com 30% a 40% de probabilidade de repasse às resseguradoras.
Mas ainda há um setor em que cláusulas de exclusão de guerra podem não ser suficientes. Os ciberataques e violação de dados trazem uma complexidade maior para a análise de risco. De acordo com especialistas no PLUS Cyber Symposium, o número de incidentes cibernéticos fora da Rússia e Ucrânia aumentaram, em especial nos EUA. O seguro cibernético já vivencia nos últimos anos o aumento de preço e de procura, fazendo com que contratos e cláusulas venham se tornando mais complexos. Mas, agora com o conflito em curso, a releitura destes contratos será mais rápida. A partir de 31 de março, seja para o início da cobertura ou renovação do contrato, o Lloyd’s of London terá a cláusula “Exclusões de ataques cibernéticos apoiados por Estado“, em que “os sindicatos devem excluir os ataques cibernéticos apoiados pelo Estado das políticas que protegem contra danos físicos e digitais causados por hackers”. Objetivo é que fique mais claro o que as seguradoras cobrirão ou não.
Após a pandemia do COVID-19, as ramificações profundas no mercado global de um conflito geopolítico como o que acontece no leste europeu volta a ser destaque. Ter um conhecimento robusto desses riscos complexos e diversos é fundamental para identificar os desafios antes que os sinistros aconteçam.