Revista Cobertura – Por 98 visualizações – 03/07/2023 as 20:30
Carol Rodrigues
Com as movimentações recentes no mercado de seguros muitos se questionam sobre o que está acontecendo e os reflexos para os corretores, os consumidores e como fica o redesenho do mercado de seguros em geral. Há quem defina como consolidação, outros concentração, e também quem considere as duas opções.
“Por simplificação, falamos que há concentração, mas o mercado de seguros não é uniforme. Cada ramo tem um perfil diferente. Uma conclusão que é válida para o Saúde, não é válida para Transporte e Previdência”, explica Francisco Galiza, economista e diretor da Rating de Seguros.
Existem vários mercados dentro do mercado de seguros que são agregados porque têm a mesma origem. Cada ramo é uma realidade diferente e requer uma análise separada.
Dyogo Oliveira, presidente da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg), contextualiza que, atualmente, há cerca de 120 seguradoras em operação no Brasil.
“O conceito de concentração pode ser subjetivo, um acha que é concentrado. O outro acha que não”, diz Oliveira, ao lembrar que existem metodologias técnicas que aferem se um mercado é concentrado ou não concentrado, conforme padrões de competição.
“O que vejo no Brasil é um mercado extremamente competitivo. As seguradoras disputam os clientes no centavo. O funcionamento próprio do mercado de seguros já gera competição. O corretor chega para o cliente e oferece até seis propostas diferentes”, acrescenta Oliveira.
Por isso, o presidente da CNseg não concorda com a tese de que o mercado de seguros brasileiro é concentrado, exceto em alguns ramos muito particulares, como o seguro Habitacional e Aviação. “Quando olhamos o mercado, ramo por ramo, o nosso nível de concentração é sempre baixo ou moderado”, pontua Oliveira.
“Toda notícia de consolidação e de redução do número de players no mercado, principalmente segurador, é sempre preocupante, principalmente para nós corretores. Há uma limitação de oportunidades de ofertas que antes levávamos para um cliente e que deixaremos de levar. Mas não dá para se preocupar além do necessário, mesmo nós estando na ponta”, comenta Marcos Couto, CEO da Alper Consultoria em Seguros.
Ele lembra que essas movimentações são naturais e sempre vão ocorrer.
“O corretor é quem perde mais. Apesar de termos menos seguradoras brigando, principalmente no automóvel porque é o que move o corretor pequeno e médio, teremos uma briga de preços. Tem um lado de concentração e o outro de que quem está comprando não quer perder. E tem o outro lado, que é outras seguradoras falarem para negociar o tombamento da carteira. O cliente pode sair ganhando e o corretor também porque acaba conseguindo uma condição melhor”, diz Arley Boullosa, professor e fundador da Kuantta Consultoria e sócio da Moby Corretora de Seguros.
O caso da Liberty
A HDI Seguros anunciou a compra das operações da Liberty Seguros na América Latina, que engloba as atividades do Brasil, do Chile, da Colômbia e do Equador.
A negociação envolve toda a operação do grupo Liberty nestes países, além da Fácil Assist e da marca Aliro. Com a transação, o Grupo HDI deve aumentar seu prêmio bruto em aproximadamente EUR 1,7 bilhão, na América Latina e, no Brasil, passa a ocupar o 2º lugar; no Chile, o 1º lugar; e na Colômbia, a 7ª posição.
“O Brasil é um país core para o Grupo Talanx, do qual a HDI Seguros é integrante, e essa aquisição dos negócios da Liberty Seguros na América Latina faz parte de um projeto muito claro de crescimento da empresa no país. Também é fundamental reforçar que o relacionamento com os distribuidores e os talentos da Liberty são fatores fundamentais, garantindo o valor desse negócio”, explicou em comunicado Eduardo Dal Ri, CEO da HDI Seguros.
A compra das operações da Liberty pela HDI fez parte de uma estratégia mundial. Inclusive, o Grupo Generali adquiriu as operações da Liberty na Espanha, Portugal, Irlanda e Irlanda do Norte.
“A transação está totalmente alinhada com a estratégia da Generali ‘Lifetime Partner 24: Driving Growth’, impulsionando o perfil de crescimento do Grupo, desenvolvendo ainda mais o negócio de P&C e fortalecendo sua posição de liderança na Europa”, destacou comunicado do Grupo Generali.
“A operação da HDI com a Liberty é uma reestruturação mundial das empresas. Acredito que isso tornará o mercado ainda mais saudável. Mostra que temos empresas investindo no País, colocando dinheiro na mesa e apostando no País. E mostra que está no jogo para ganhar. Vai entrar competindo cada vez mais forte para ganhar mercado”, comenta o presidente da CNseg.
Na visão dele, o negócio vai aumentar a competição no mercado. “Competição não é quantas estão no mercado, mas, sim, a atitude delas no mercado”, completa.
“A HDI e a Liberty juntas faturam R$ 12 bilhões de prêmios por ano, o que posiciona a empresa entre a quinta e a sexta seguradora no ranking geral, considerando o ramo de Saúde. Bradesco, SulAmérica, Porto Seguro, Grupo Banco do Brasil, Zurich Santander e há uma disputa entre Tokio Marine, MAPFRE e HDI e Liberty. Sem dúvida, para os corretores é menos uma opção de negócios”, observa Galiza.
“Temos uma excelente operação, tanto com a Liberty como com a HDI. As duas são grandes e excelentes parceiras da Alper. Temos um relacionamento e volume de produção bons nas duas seguradoras. O que nós esperamos é que não tenhamos prejuízo de qualidade de produto, nem de prestação de serviço”, diz Couto.
Ele explica que o gera receio é o pós-aquisição e a possível perda de alguns produtos que são muito bons. “O maior desafio em uma grande operação como essa é o que vai sobrar de bom das duas. Sei da ambição positiva da HDI de liderar e se tornar muito relevante. É uma fusão grande. Portanto, precisamos tentar colaborar neste contexto. Somos um bom termômetro para dizer se está satisfatório ou não”.
“O corretor já vem sofrendo com a falta de atendimento. Quanto mais concentração, pior fica para o corretor porque ele fica na mão de poucas seguradoras e fica dependente do atendimento”, comenta Boullosa.
De 1996 para hoje, José Heitor Silva, fundador da Lojacorr e presidente do Conselho Consultivo da Holding e membro do Conselho de Administração da Rede Lojacorr, diz que houve muita alteração e uma consequente maior concentração. “Lembro de 1996 para cá quantas seguradoras o Bradesco adquiriu, o que gerou um enxugamento. Trabalhei em várias seguradoras adquiridas pelo Bradesco. O mercado segurador brasileiro vem se transformando de forma impressionante”.
No entanto, ele diz ver esses movimentos como uma oportunidade de crescimento. “Tem muito concorrente para o corretor de seguros e a medida que o mercado se transforma, vejo mais oportunidades para nós. Hoje temos a maior estrutura de atendimento de corretores de seguros. A medida em que as seguradoras vão se concentrando, sobra profissionais do mais alto gabarito no mercado e temos as oportunidades de agregá-los na nossa operação, visando atender cada vez mais e melhor os corretores de seguros”.
Definição de core
Marcos Couto vê como acertadas as decisões de algumas companhias deixarem de operar em alguns ramos, apesar de trazer mudanças substanciais para o mercado, por exemplo, a Allianz no Saúde e a SulAmérica do Auto e RE.
“Seguro chega uma hora que você precisa ter alta especialização e escala. Não dá para concorrer em alguns segmentos sem escala. Cada companhia em seu contexto, principalmente Auto e Saúde, é um tema de escala. Construir duas operações nervosas, que precisam de escala, ao mesmo tempo, tocando bem, com times que são completamente distintos, gera uma complexidade muito grande”, explica Couto.
“A saída da Allianz do Saúde foi uma decisão certa, assim como a de quando a MAPFRE saiu do Frota e do Condomínio. Não dá resultado, fecha. A seguradora não pode ficar subsidiando uma carteira com outra”, comenta Arley Boullosa.
Cenário do Automóvel
“Estamos passando por um momento de encolhimento do mercado. No automóvel, é uma briga insana pelos mesmos itens e vemos uma frota envelhecendo cada vez mais”, analisa Arley Boulllosa.
No Automóvel, são sete as principais companhias: Porto, Tokio Marine, Allianz, HDI /Liberty, Bradesco, MAPFRE e Sompo, conforme o Ranking das Seguradoras do Sincor-SP.
“O Automóvel, historicamente, tem uma concentração média. Em condições normais, o corretor tem nove opções de colocar o seguro de Automóvel. É razoável. Não haverá uma diminuição de mercado tão grande quanto as pessoas imaginam”, analisa Galiza.
Segundo ele, um quarto do mercado é Porto Seguro; Tokio, Allianz e Bradesco têm em torno de 10% a 15% cada uma. Entre 5% e 10% temos Liberty, HDI e MAPFRE. Depois tem mais três seguradoras – Suhai, Zurich/ Santander e Sompo.
“Comparado com outros setores da economia brasileira, o mercado tem boas opções. Aumenta a concentração, mas as opções existentes são compatíveis com a economia de modo geral. O consumidor enfrenta restrições muito maiores quando vai ao supermercado comprar material de limpeza. Se houvesse mais opções, será que seria melhor?”, compara.
“Essa aquisição é, inclusive, uma oportunidade de diversificação regional e nacional. A Liberty possui penetração em alguns mercados que a HDI não está presente. Portanto, ela é também bastante complementar. Tenho certeza que eles vão tratar isso como produto. O sucesso da integração vai depender dos próximos passos”, prevê o CEO da Alper.
Concentração no saúde
Na visão de Galiza, a discussão do Saúde é complexa e este, sim, é um ramo muito mais concentrado. “Na prática, temos duas empresas: Bradesco e SulAmérica. A análise do Saúde é muito mais complicada porque existem vários tipos de empresas. Quando falamos em grupos seguradores temos 90, em operadoras, temos milhares. O problema da Saúde não é apenas do Brasil, é um problema geral. Há de se encontrar um equilíbrio, que permita a saúde das pessoas e os custos”, diz o economista, para quem é possível que outras empresas saiam.
Para o sócio da Moby, o problema do Saúde é outro nível e começa pela distribuição. “No Auto, temos corretores que são qualificados e passaram pela Escola de Negócios e Seguros (ENS). Se temos 6 mil corretores susepados, temos 20 mil vendedores de planos de saúde no RJ. O cara perdeu o emprego e não está fazendo nada, ele vai vender plano de saúde. O índice de entrada de fraude é coisa absurda, não é só reembolso, pois há falsificação de documento. Mas também tem gente boa vendendo plano de saúde que não passou pela ENS. São pessoas mais qualificadas que vieram de outros segmentos. Falta uma regulamentação dessa categoria. Não existe o vendedor de plano de saúde”, chama a atenção Arley Boullosa.
“Poderíamos dar uma segmentada na habilitação da Susep. Por que não habilitar para vender Automóvel? Por que não habilitar para vender só plano de Saúde? Acho muito arcaico o modelo de ter que aprender Rural, se não é interessante ao profissional”, acrescenta.
Novas seguradoras
No futuro, para Galiza, outras empresas podem entrar no Brasil, por exemplo, as oriundas da China. “Chama a atenção não termos uma seguradora chinesa, já que a China é o principal parceiro comercial do Brasil. Em um espaço de até cinco anos, acredito que vai entrar. Não sei por que ainda não entrou. Muitas empresas quando entraram no Brasil foram para subsidiar as empresas do grupo de origem”.
Marcos Couto destaca que a corretora costuma experimentar as novidades que surgem no mercado, um exemplo são as seguradoras digitais. “O negócio de seguradora é de capital intensivo, a sinistralidade pode ser mais crítica ou não, não é só ter produto e tecnologia, vai depender da capacidade dela de sustentar esse negócio para crescer tendo acesso a capital. Sem capital serão operações pequenas e não farão frente às grandes seguradoras”, analisa.
Dentre as novas seguradoras que estão surgindo, de 20% a 30% vão conseguir acessar capital. “O corretor tem de acompanhar para saber se ela está saudável, sugere Couto.
O apoio dos corretores às novas seguradoras é fundamental. Caso contrário, sempre haverá sete players com 90% do mercado. “O corretor precisa decidir com quem ele opera, com quem ele tem volume, onde ele aloca o volume do negócio dele para que tenha alguma relevância. Acredito que se tem potencial de existir outras consolidações no mercado. O que espero é que as seguradoras que estão chegando, consigam se desenvolver. Do contrário, é se preparar para operar bem com menos players”, recomenda o CEO da Alper.
O também corretor Arley Boullosa aconselha aos corretores que estudem. “Não vai ter espaço para profissionais ruins. A tecnologia é a ferramenta, não a solução. Você só consegue ser produtivo e rentável se tiver estratégia”.
Conteúdo da edição de junho (254) da Revista Cobertura