Aprovada pelo Senado em 10 de dezembro de 2020, o Projeto de Lei 4.253/2020 que estabelece novas normas gerais de licitação e contratação para a administração pública e modifica leis correlatadas, além de revogar a atual Lei 8.666/1993, está em vias de ser enviado ao presidente da República, Jair Bolsonaro, para sanção ou veto. O advogado e vice-presidente da Junto Seguros, Roque de Holanda Melo, que participou na última década de discussões para elaboração do novo texto legal, concedeu entrevista exclusiva ao Sindseg PR/MS para analisar as mudanças sob a perspectiva do seguro garantia.

Sindseg PR/MS – O texto da nova Lei de Licitações contempla os interesses das seguradoras?

Roque Melo – Após 25 anos (projeto de lei originário 1292 é de 1995) de tramitação, entendo que estamos diante de um texto de lei bastante amplo e que representa um importante avanço no que diz respeito às contratações públicas. Para ser breve, e sem qualquer intenção de exaurir o tema, destaco três pontos de fundamental importância na minha opinião: a desburocratização do processo de contratação pública; maior equilíbrio no tocante aos direitos e obrigações das partes; mais segurança jurídica para as partes.

São exemplos de avanços positivos, a previsão da matriz de risco, utilizada para antecipar e pré-definir as consequências advindas de eventos imprevisíveis e que podem ocorrer após a assinatura do contrato. A correta e objetiva alocação das responsabilidades decorrentes de eventos futuros e imprevisíveis é de fundamental importância e corrobora sobremaneira para estabilidade da relação contratual.

Outro ponto de fundamental importância é a fixação de um prazo de resposta para o pedido de repactuação de preço ou reequilíbrio econômico e financeiro do contrato, bem como o estabelecimento de hipóteses em que o contratado poderá solicitar a extinção do contrato, a exemplo de suspensões do contrato por ordem do contratante superiores e 3 (três) meses ou 90 (noventa) dias úteis em caso de suspensões sucessivas e, ainda, a atualização dos valores da parcela em caso de inadimplemento por parte do contratante.

Tais previsões, bem como outras que poderiam ser citadas, representam mais segurança jurídica para as partes. E, consequentemente, podem diminuir as hipóteses de necessidade de reequilíbrio econômico e financeiro do contrato.

Sindseg PR/MS -Neste novo cenário o seguro garantia ganhará ainda mais relevância?

Roque Melo – Sem dúvida, em todos os aspectos, o seguro garantia será uma peça de fundamental importância, até porque o texto de lei procurou elevar o seguro garantia como a forma de garantia que poderá permitir a retomada e conclusão da obra garantida sem a necessidade de um novo processo de licitação e desembolsos adicionais por parte do Estado, salvo o quanto previsto no projeto original. De toda forma, entendo que o capítulo destinado às garantias contratuais infelizmente deixou a desejar. Embora alguns avanços, o referido capítulo traz, no mínimo, um desafio às partes. Tanto ao Estado, quando ao mercado segurador e ressegurador. O principal desafio, eu diria que está no percentual de garantia, isso porque após muitos anos de discussão, em que chegou-se a cogitar percentuais da ordem de 100% ou 130% do valor do contrato como garantia, o mercado ressegurador apresentou estudo de mais de 10 anos, baseado na experiência internacional, em que se demostrava que o percentual de 30% era factível e razoável para fazer frente a retomada da maioria dos contratos. Portanto, o percentual de 30%, além de estar lastreado na experiência internacional, traz equilíbrio para a operação, no sentido de ser o percentual que mais se aproximava do ideal para possibilitar a retomada e conclusão da obra por parte do agente garantidor sem, no entanto, onerar demasiadamente o Estado.

Porém, o texto de lei fixou a expressão “poderá ser exigida garantia de até 30%”, ou seja, primeiro será uma faculdade do agente público exigir ou não a garantia e, adicionalmente, a expressão “até” abre uma discricionariedade no percentual que pode ser de zero até 30%. Nesse sentido, não é necessário grande esforço para concordarmos que abaixo de 30% as chances de retomada ficam cada vez menores quanto menor for o percentual. Portanto nesse aspecto, entendo que o Legislativo perdeu uma oportunidade de empregar um texto mais efetivo, no sentido de realmente possibilitar o alcance do maior bem para o Estado, que seria a retomada e conclusão da obra por parte do agente garantidor, sem a necessidade de um novo processo de licitação, bem como desembolso adicional por parte do Estado, salvo o quanto previsto no orçamento originário.

Nesse sentido, a fim de preservar a utilizada do produto e procurar garantir a eficiência esperada pelo Estado, entendo que será de fundamental importância que o Estado, sempre que desejar fazer uso do seguro garantia com cláusula de retomada, exija que o percentual da garantia seja de 30%. Caso contrário, entendo que serão grandes as possiblidades do Estado enfrentar dificuldades na aceitação do risco. Digo isso, porque seria o mesmo que exigir que a seguradora e resseguradores aceitassem um percentual de garantia que, quando inferior a 30%, antecipadamente há fundamentado receio de que dificilmente permitirá o coprimeiro da obrigação de retomada e conclusão da obra.

Um outro ponto importante é que o texto acabou fixando uma obrigação da seguradora concluir a obra ou ter que efetuar o pagamento total da importância segurada. Ou seja, acaba-se por fixar uma espécie de “penalidade” à seguradora e nós entendemos que isso é uma impropriedade técnica e jurídica. Primeiro porque a seguradora não é a principal pagadora, e sim, garantidora da obrigação, sendo acionada caso o tomador não honre com as suas obrigações de forma espontânea. Trata-se, portanto, de uma responsabilidade subsidiária e não solidária. Portanto, o mais correto seria que essa suposta penalidade fosse aplicada ao contratado e, caso o contratado não honre com o pagamento da penalidade, aí sim haveria uma cobertura no âmbito da garantia para fazer frente ao valor da penalidade inadimplia pelo tomador.

Sindseg PR/MS – Para o leigo em seguro garantia entender, como funciona esse percentual de 30%?

Roque Melo – Você tem um contrato de 100 e tem uma garantia de 30%, ou seja, seria uma garantia de 30. Esse contrato avançou 50% e, hipoteticamente, vamos dizer que o avanço físico e financeiro foi o mesmo. Portanto completou 50% da obra e pagou-se 50. Mas houve um sinistro nesse momento. Nessa hipótese, o Estado ainda teria os 50 que ainda não foram gastos e mais os 30 de garantia, ou seja, você tem 80 para performar os 50 que faltam. Então aqui a seguradora entra. A garantia é o sobrecusto, é o pagamento do valor adicional. O Estado não pode ter custo nenhum a mais que os 100 previstos originalmente, e, por sua vez, a garantia que fará frente ao sobrecusto com a nova contratação está limitada a 30.  Então vamos supor que os 50% que faltam para completar a obra, após cotação de nova empresa, perfazem o valor de 60. Nessa hipótese, o Estado vai colocar os 50 e a seguradora 10. Caso a a nova contratação seja de 70 para concluir a obra, o Estado coloca os 50 e a seguradora 20, e assim sucessivamente, sempre limitado a exposição máxima de 30 por parte da seguradora.

Sindseg PR/MS – Quais outros avanços da nova lei de licitações para evitar a paralização de obras públicas?

Roque Melo – Tiveram avanços substanciais em vários sentidos, a exemplo   de previsões que visam garantir o início e continuidade do contrato sem paralizações decorrentes da ausência de dotação orçamentária.

No campo do seguro, a exigência de acompanhamento da obra do início ao fim por parte do agente garantidor, para contratos acima de R$ 200.000.000,00 (duzentos milhões de reais), também se mostra importante não apenas para possibilitar maior agilidade quando da retomada e conclusão das obras em caso de sinistros, mas como fator mitigador, na medida em que teremos mais um agente envolvido no acompanhamento da obra e envidando esforços para minimizar qualquer impacto negativo em eventual descumprimento contratual.

Sindseg PR/MS – Quais são as perspectivas para o setor de obras públicas e de seguro garantia para 2021?

Roque Melo – O governo já tem mais de 100 projetos de infraestrutura com pipeline desenhado para o ano de 2021. São exemplos, a rodada dos aeroportos com 22 aeroportos; o marco do saneamento com muitos investimentos nesse setor; iluminação pública, ferrovias – temos a FIOL, Ferrogrão e outros tantos projetos que certamente sairão do papel.

Teremos novos certames envolvendo rodovias; setor de energia, que não para, de modo que as perspectivas para esse ano são muito positivas no que diz respeito a infraestrutura.

No tocante a Lei de Licitações vamos dividir a análise: nos contratos até R$ 200 milhões, a lei pouco ou quase nada foi alterada e nesse sentido o mercado continuará a todo vapor atendendo a essas demandas. Acima de R$ 200 milhões aí nós temos, como eu disse, um desafio considerando a expressão “até 30%” e a espécie de “penalidade” aplicada diretamente às seguradoras. Para esses pontos, entendo que caberá um diálogo aberto e profundo entre o mercado segurador e ressegurador e também o Estado e a Susep, a fim de que se consiga conciliar as expectativas e anseios do Estado por intermédio de uma garantia que possa ser efetiva e cumpra, ao fim e ao cabo, a função social tanto esperada por todos. Mas há uma máxima disposição do mercado e a Junto Seguros continuará envidando seus melhores esforços para proporcionar uma saída que possa harmonizar os interesses de todos e principalmente assegurar o interesse maior do Estado nas contratações públicas.