Revista Cobertura – Por 13/07/2024 as 14:39 – *por Sidnei Canhedo
Assim como ocorreu com o airbag no passado, a partir de agora todo veículo automotivo novo que sair de uma fábrica da Europa terá que ter como padrão um equipamento que seja capaz de identificar fadiga e sono em motoristas a fim de alertá-los. A medida faz parte de um basta que o Velho Continente quer dar aos acidentes graves em suas ruas e estradas.
A expectativa é de preservar 25 mil vidas e evitar ao menos 140 mil ferimentos graves até 2038. Se as reduções seguirem em constante avanço, a Europa poderá anunciar a eliminação completa de mortes de trânsito em 2050. A missão é gigantesca e os números têm como base de referência dados de 2019 quando morreram 22.800 pessoas. Ano passado, esse patamar foi reduzido em 10%, para 20.400 fatalidades.
A obrigatoriedade das tecnologias que medem cansaço e sono nos veículos fazem parte de um amplo pacote de regulamentações do Euro NCAP (Programa Europeu de Segurança em Automóveis). As novas diretrizes são ações que tem como objetivo promover uma transformação positiva na rotina diária do sistema rodoviário da Europa.
Além da questão da sonolência, as normas determinam que todos os novos veículos motorizados, incluindo automóveis, caminhões e ônibus, necessitam agora adotar soluções inteligentes de assistência à velocidade, câmeras ou sensores para detecção de marcha-ré, bem como sinais de paragem de emergência. Também precisam estar equipados com sistemas de permanência de faixa em rodovias, de travagem automatizados e de gravadores de dados de eventos.
Para evitar colisões de ônibus ou caminhões com pedestres ou ciclistas, esses veículos terão que implantar tecnologias para melhor reconhecer possíveis pontos cegos e integrar sistemas de alerta, além de contar com sensores específicos de monitoramento da pressão dos pneus.
Sono e volante, jamais!
A tecnologia que pretende ‘convencer’ motoristas sobre o drama de misturar cansaço e volante chama-se DDAW, sigla em inglês para Alerta de Sonolência e Atenção do Motorista. Trata-se de um sistema que avalia o estado de alerta do condutor através da análise de dados do veículo e, quando necessário, fornece um aviso de perigo. O DDAW deve detectar e reconhecer o padrão de condução e/ou direção sintomática de um motorista que apresenta um estado de atenção reduzido devido à fadiga, e interagir e alertar através da interface homem-máquina do veículo.
Vale lembrar que de acordo com dados oficiais do bloco europeu, entre 15% e 20% dos acidentes graves estão relacionados com fadiga ou sonolência.
Mas enquanto a Europa corre contra o tempo perdido, com normas e investimentos tecnológicos, como está o Brasil? Estagnado! Não há debates significativos sobre a construção de uma legislação com metas concretas. Há campanhas importantes, lideradas por entidades não governamentais, como o Observatório Nacional de Segurança Viária, que encabeça o ‘Maio Amarelo’ e há a de organismos públicos, encabeçadas pelas polícias rodoviárias estaduais e federal, que provocam uma conscientização fundamental no processo educativo.
Os esforços são válidos e bem-vindos, mas vivemos em um país com índices elevadíssimos de acidentes e os remédios para esse drama precisam ser mais intensos, amplos e efetivos. Dados da Organização Mundial da Saúde mostram que o Brasil é o terceiro país com mais mortes no trânsito no planeta, tendo fechado 2022 com impressionantes 31.174 óbitos em suas ruas e estradas. Está atrás apenas de Índia e China, com populações que ultrapassam 1.4 bilhão de habitantes cada, contra 203 milhões do Brasil.
Chega a ser assustador o fato de não haver uma proposta de um programa do nível da União Europeia. Isso porque em qualquer projeto como esse exige um tempo longo para que as montadoras se adequem e para que o motorista seja educado quanto a novas regulamentações. São alguns anos desde a aprovação até a implantação, o que significa que milhares de vidas serão perdidas devido a esse atraso de nossos legisladores e organismos governamentais.
E não é que a tecnologia não esteja disponível. A mineração brasileira, em algumas empresas, já adota, há anos, instrumentos de detecção de fadiga, dos mais modernos no mundo, em operações fechadas com caminhões fora-de-estrada. Os resultados são expressivos e é um benchmark global, com índices de reduções de até 95% de acidentes graves em operações realizadas no Pará.
Há outras tecnologias mais simples utilizadas em frotas rodoviárias que são promovidas por transportadores e que também demonstram resultados relevantes. Contudo, é preciso pontuar que soluções que utilizam apenas câmeras de monitoramento padrão, além de pouco eficazes, costumam ser desligadas por motoristas e, às vezes, falham em apontar distrações que não ocorreram, podendo até causar situações de risco.
Mas há como combater a fadiga e o sono ao volante tanto com soluções que virão de fábrica, munidas de inteligência artificial e tecnologia de ponta, como com legislação que pune motoristas irresponsáveis, como fazem alguns estados norte-americanos, que equivalem a pena por conduzir com sono ou cansaço, a mesma de um condutor embriagado.
Temos tudo para reduzir significativamente os trágicos números de acidentes em nossas pistas, mas há muito o que fazer e estamos bastante atrasados. A Europa mostra alguns caminhos, temos que entrar nessa rota pela vida, urgentemente.
*Sidnei Canhedo é biólogo e gestor da Optalert, empresa australiana, líder mundial na tecnologia de controle de fadigas