Notícias | 19 de junho de 2023 | Fonte: O Globo
Infratores se queixam no sistema da agência de que não receberam dinheiro por serviços médicos falsos, acusam operadoras. Órgão diz que é preciso compartilhamento de dados
Uma das estratégias dos infratores para pressionar operadoras a reembolsarem procedimentos fraudulentos é registrar queixa na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o que pode levar a multas de até R$ 80 mil e suspensão de venda de contratos. Notificações sobre reembolso cresceram 140% entre 2019 e 2022, de 12.731 para 30.567.
A SulAmérica diz que identificou em 50% das que recebeu ligação com fraude.
— Diversas liminares já foram concedidas pelo Judiciário reconhecendo as fraudes cometidas pelos prestadores não referenciados, inclusive autorizando a SulAmérica a negar pedidos de reembolsos fraudulentos — diz Guilherme Cardoso Pereira, gerente da área jurídica da operadora.
Os planos têm conversado com a ANS sobre a identificação de queixas falsas, mas Paulo Rebello, diretor-presidente da agência, diz que não é fácil e que é preciso ter cuidado para não restringir o acesso dos beneficiários a uma ferramenta eficaz de regulação:
— É preciso que as operadoras compartilhem mais informações com a ANS. É complicado para a agência agir de forma pró-ativa nessa seara, pois não regulamos toda a cadeia e nem temos braço hoje para cuidar dos prestadores. Precisamos de dados consolidados sobre fraudes para um debate mais assertivo, informar de forma transparente e sensibilizar a sociedade. A fraude é um peso para todo o sistema.
Digitalização facilitou
Para agentes do setor, a digitalização dos serviços acelerada na pandemia favoreceu o aumento das fraudes.
— A digitalização dos processos trouxe aspectos excelentes, mas trouxe uma difusão maior das fraudes, com profissionalização dos esquemas. Os 135 inquéritos abertos são a ponta do iceberg — avalia Cassio Ide Alves, da Abramge, que reúne as operadoras.
Ele acrescenta que há mais de 150 CNPJs sob investigação, entre clínicas de emagrecimento, laboratórios e até corretoras de planos de saúde.
Vera Valente, diretora executiva da FenaSaúde, diz que há outros tipos de fraude no mercado, como fracionamento de recibo, uso de carteirinha do plano por outra pessoa e alteração da designação da doença. A última é comum para reembolso de tratamentos estéticos que não têm cobertura. Vera alerta que compartilhar login e senha, como no “reembolso assistido”, é um risco:
— É pior que fornecer a senha da conta bancária, pois neste caso o limite será o seu saldo no banco. No plano de saúde, não há limites, é infinito. Os departamentos de RH de empresas estão assustados.
A Amil investiu R$ 40 milhões, no último ano, em inteligência artificial e sistemas de cruzamento de dados, entre outras ações, para coibir fraudes. Empresas que contratam planos para seus funcionários também atuam.
Demissões na CCR e no Itaú
A CCR demitiu mais de 100 funcionários após descobrir fraudes — inclusive envolvendo tratamentos estéticos e de emagrecimento — que geraram custo adicional de R$ 12 milhões para a empresa de concessões.
Os envolvidos dividiam o reembolso por serviços fictícios, superfaturados ou desnecessários com profissionais ou clínicas de fachada.
A CCR estima que esse tipo de infração eleva o custo do plano entre 5% e 10% tanto para empresas como para colaboradores. O Itaú demitiu, em março, 80 pessoas “após identificar má conduta no uso de reembolso”, mas não quis dar detalhes.
Saiba mais sobre as fraudes
- Reembolso assistido: Não se deve conceder senha e login a hospitais, clínicas ou laboratórios sob pretexto de obtenção de reembolso “sem dor de cabeça”. Apresentado como uma conveniência, esse procedimento camufla uma fraude e traz risco de imputação de procedimentos não realizados ou com valores inflados, sem controle pelo usuário. Além disso, caso a operadora não autorize o reembolso, o consumidor pode ser cobrado pelo prestador. Isso ainda pode levar ao cancelamento do plano pela operadora e à demissão por justa causa, no caso de planos corporativos.
- Procedimentos estéticos: Procedimentos estéticos não são cobertos por planos de saúde. Isso significa que qualquer clínica que ofereça esse serviço garantindo a cobertura pela operadora está cometendo fraude.
- Tem que pagar antes: Em novembro de 2022, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que só pode ser pedido reembolso se houver pagamento prévio pelo consumidor. As operadoras estão fazendo essa exigência agora.
- Outras irregularidades: Fracionar recibo médico, emprestar carteirinha do convênio a terceiros, mudar a designação da doença para autorizar um procedimento ou informar um procedimento diferente do realizado constituem prática fraudulenta.
- Risco para o consumidor: O usuário que participa de prática fraudulenta corre o risco de ser incluído em inquérito policial ou processo judicial. Pode ainda ter o plano cancelado e, em caso de contratos pagos pelo empregador, ser demitido por justa causa.