CNseg – 15 de Agosto de 2022 – Revista de Seguros

A guerra no Leste Europeu gerou pro[1]fundos impactos econômicos em todo o mundo, mas, no caso brasileiro, os efeitos não são todos negativos. Economistas ouvidos pela Revista de Seguros enxergam prós e contras para o País: se, por um lado, o cenário de inflação elevada tende a se agravar, por outro, a alta das commodities – que já ocorria antes do conflito, mas foi amplificada por ele – pode ser até vantajosa para o Brasil, que produz e vende para o exterior alguns dos principais itens exportados tanto pela Rússia quanto pela Ucrânia.

Um estudo do Banco Mundial prevê que o choque de alimentos e combustíveis em razão da guerra deve durar até o final de 2024, elevando o risco de estagflação global. A Rússia, que invadiu a Ucrânia em 24 de fevereiro, é o maior exportador mundial de gás natural e de fertilizantes, além de ser o segundo maior exportador e o terceiro maior produtor de petróleo. Juntos, os dois países respondem por cerca de 30% das exportações mundiais de trigo, 20% das exportações de milho e 80% das de óleo de girassol.

A previsão do Bird é que os preços da energia subirão mais de 50% neste ano, com impacto nas contas residenciais e em toda a cadeia produtiva do País. O barril de petróleo deve continuar acima de US$ 100 em 2022, pressionando os preços internacionais. Já o trigo pode subir mais de 40%, a cevada, 33%, e a soja, 20%. Segundo o organismo, é o maior choque no preço das commodities desde a primeira crise do petróleo, em 1973.

Para o Brasil, que há tempos convive com um cenário de crescimento baixo e inflação alta, o choque deve forçar um aumento ainda maior dos juros e prejudicar o PIB. No dia 15 de junho, o Banco Central, que já vinha subindo a taxa básica de juros desde março de 2021, elevou a Selic pela 11ª vez seguida, para 13,25% ao ano. Na mesma data, o Federal Reserve aumentou os juros nos Estados Unidos em 0,75 ponto percentual, maior elevação desde 1994.

Bráulio Borges, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) da FGV, destaca que o efeito da guerra não é uniforme no País. “O Brasil é exportador líquido da maioria das commodities, inclusive petróleo e derivados, mas é importador líquido de trigo e fertilizantes, então os impactos são diferentes. Há perdas e ganhos ao mesmo tempo. De modo geral, o impacto é mais negativo que positivo. A gente sofre com a alta de preços”, afirma.

No caso das commodities agrícolas, afirma Borges, o País pode se beneficiar, já que a limitação às importações deve estimular os agricultores brasileiros a produzir mais. “Para 2023, já temos previsões de uma safra assombrosa, mesmo com a alta dos fertilizantes. Há estimativas de 4% a mais de ganho na área plantada de grãos e de dois dígitos na safra como um todo.”

Para o petróleo, o cenário é outro: “Há risco de racionamento, pois existe um gargalo mundial de refino. No terceiro trimestre, pode faltar diesel no mundo e no Brasil, porque também não temos capacidade para substituir as importações imediatamente. Hoje, 60% da matriz logística brasileira depende de transporte rodoviário. E, ao contrário do que ocorre com os alimentos, os estoques são baixíssimos”, avalia.

Ainda assim, salienta Borges, as expectativas do mercado apontam para a normalização da situação até o final de 2023, apesar das incertezas sobre a guerra e sobre o comportamento da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), que há seis meses não atinge sua meta de produção.

CHOQUE AGRÍCOLA

Segundo Natália Fernandes, coordenadora do Núcleo de Inteligência de Mercado da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), os custos do setor sofreram forte impacto da valorização dos insumos de energia e de combustível. A alta do petróleo e do gás natural, explica ela, afeta a produção de fertilizantes, já que ambos são matérias-primas para esses produtos. Com isso, os fertilizantes subiram 70% desde o início da guerra.

“No geral, os insumos subiram mais do que os produtos agrícolas como soja, milho, trigo e itens pecuários, o que acaba estreitando a margem dos produtores rurais”, diz ela. A CNA prevê elevação de 45% no custo operacional da próxima safra de soja, com os fertilizantes subindo 89%, e os herbicidas, 124%. Para a segunda safra de milho, o custo deve subir 49%, puxado pela alta de 117% nos fertilizantes. Como resultado, os produtores aumentaram a importação desse insumo, precavendo-se contra eventual escassez. De janeiro a maio, o volume importado foi 44% superior ao de igual período de 2021.

“O forte aumento da energia e dos fertilizantes elevou os preços dos alimentos, o que pode gerar redução na produção agrícola. Mesmo após o fim do conflito, a queda de preços não será imediata. É preciso um tempo para a recuperação da produção dos países fornecedores.

A alta dos preços de alguns grãos também impactou o custo com ração animal de janeiro a abril deste ano. Na pecuária de corte, o custo subiu 51,7% para cria, 72,2% para recria e engorda e 76% para confinamento; na pecuária de leite, o aumento dos custos com a ração atingiu 53%. Na bovinocultura, a participação da ração no custo operacional varia de 12% (gado de corte em confinamento) a 37% (gado leiteiro).

Otaviano Canuto, membro sênior do Policy Center for the New South, afirma que o choque dos preços do trigo e do milho tem tido efeitos distintos no Brasil, “embora invariavelmente inflacionários”. “Entre outros motivos, por conta das particularidades de seu uso em rações animais. Milho é mais usado que trigo em relação a outros países. Aves e suínos tiveram rações encarecidas por conta do milho.”

No Brasil, a participação da alimentação no custo operacional supera 79% na avicultura e 74% na suinocultura. Nos últimos 12 meses até maio, segundo o IBGE, o frango inteiro subiu 16,6%, o frango em pedaços, 22,7%, e o ovo, 16,8%. Ainda assim, segundo Canuto, a produção avícola se beneficiou de uma demanda maior, em razaão da subida de preços de carne bovina, o que com[1]pensou a alta dos custos.

A guerra teve outro impacto positivo: a valorização do trigo estimulou a produção brasileira, com aumento da área plantada. Entre as commodities agrícolas, foi a que mais subiu desde o início do conflito. De janeiro até o início de junho, o trigo teve alta de 27,8% no Brasil. A novidade no setor está na competitividade adquirida pelo trigo produzido no País, em consequência dos choques de oferta e de preços no exterior. “Agora, as importações de trigo da Argentina estão sendo acompanhadas por exportações, em menor escala, de trigo brasileiro”, diz Canuto.

“Se a guerra demorar, os preços podem continuar subindo em 2023, então há estimativa para grande aumento de área dessa cultura no Brasil”, afirma Natália, acrescentando que os efeitos da guerra serão prolongados, independentemente da sua duração ou da suspensão das sanções do Ocidente à Rússia. “O conflito causou gargalos logísticos para exportação da Ucrânia. Não basta a guerra acabar”, pondera. Nesse contexto, diz ela, a produção agrícola brasileira será importante para reduzir a pressão de aumento de preços diante do cenário de oferta mundial menor.

CHOQUE ENERGÉTICO

Para Adriano Pires, sócio-diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) e consultor na área de energia, a alta dos preços do setor também beneficia o Brasil, que produz e exporta petróleo. “Quanto mais caro o bar[1]ril, mais gera receita para a União, Estados e municípios, e a Petrobras paga dividendos gigantescos. O setor que mais gera receita para o Tesouro é o de óleo e gás.”

Do início da guerra até o começo de junho, o barril de petróleo pulou de US$ 100 para US$ 120, com picos acima de US$ 130. Na moeda americana, o litro do diesel nas refinarias brasileiras saltou da faixa de US$ 0,75 para mais de US$ 1, enquanto o da gasolina passou de menos de US$ 0,70 para US$ 0,80. Já o quilo do GLP saltou de cerca de US$ 0,75 para US$ 0,85. Em 17 de junho, a Petrobras voltou a reajustar os combustíveis para as distribuidoras: o litro do diesel subiu 14,26%, e o da gasolina, 5,18%.

“O grande problema do cenário atual é que o aumento brutal dos preços dos combustíveis gera inflação. É um fenômeno parecido com o que houve nos anos 70. A maneira de segurar a inflação foi os EUA elevarem os juros. Agora pode ocorrer o mesmo. O BC vai ter que continuar subindo os juros. O ruim é que desacelera a economia. Mas é preciso reduzir a demanda de combustíveis, porque não há como aumentar a oferta agora”, afirma Pires.

Para Canuto, o choque de preços do petróleo e do gás gera inflação global e, à medida que provoque respostas anti-inflacionárias dos bancos centrais, impacta juros e PIB. “Em conjunto com o choque de preços de alimentos, o choque de preços energéticos constitui uma espécie de ‘tempestade perfeita’ sobre países que os importam.”

Adriano Pires lembra que o Brasil compra 25% do diesel e 15% da gasolina que consome. “Vários países da Europa já estão armazenando diesel. Começa a haver escassez de derivados.” De acordo com ele, a vantagem do Brasil em relação ao começo dos anos 80, após os choques do petróleo, é que na época o País tinha dívida externa e importava 80% do petróleo que consumia. “Hoje, a dívida é zero, e nós somos exportadores. Com a receita adicional do petróleo, poderíamos investir em programas sociais.”

Segundo Canuto, as previsões para o PIB já melhoraram desde janeiro, devido a fatores como saldos comerciais mais altos e maior arrecadação do setor público. “A questão é que esse melhor desempenho se faz acompanhar por encare[1]cimento doméstico de alimentos e de energia doméstica, itens com peso na cesta de consumo da parte de baixo da pirâmide de renda. A melhor política seria aumentar transferências de renda para esse estrato”, avalia.

“Para o mundo, a chegada da guerra trouxe menos PIB e mais inflação; para o Brasil, foi mais PIB e mais inflação”, resume Bráulio Borges. “O problema é que a inflação já estava muito alta, e o BC vai ter que frear a economia para o ano que vem. Ou seja, em 2022 estamos sofrendo menos que a média mundial, mas a conta pode chegar em 23.”

Matéria publicada originalmente na Revista de Seguros 921