Apesar do prazo de vigência ser a partir de 2023, as seguradoras deverão preparar os dados contábeis a partir de 2022 para permitir a comparabilidade dos saldos das demonstrações financeiras (2023 x 2022).

Sonho Seguro – Por Denise Bueno -11/05/2021 07:05

O IFRS 17 vem ai. Essa é uma frase dita de forma ansiosa por executivos da área financeira das seguradoras e resseguradoras. Eles sabem que o tempo voa quando se trata de adaptar sistemas normativos em um cenário de revolução vivido dentre das empresas de seguros em todo o mundo. Especialmente no Brasil, onde a Superintendência de Seguros Privados (Susep) promove uma ampla renovação do arcabouço regulatório do mercado segurador.

Depois de muito lobby na Europa, as seguradoras e resseguradoras conseguiram mais um ano de prazo. Era 2022 e agora passou a ser 2023. Parece distante, mas segundo os consultores está em cima da hora, dada a complexidade para implementar no sistema todos os comandos necessários para rodar a norma que visa tornar mais fácil para investidores e analistas comparar companhias de seguros. Comenta-se que os preços das ações das seguradoras têm um desconto em relação a outras empresas porque poucos conseguem entender suas contas. O objetivo da norma é permitir maior comparabilidade dos resultados entre as diferentes re/seguradoras.

Uma pesquisa da consultoria PwC constatou que 32% das seguradoras ainda estão na fase de diagnóstico para entender os efeitos da mudança, 9% estão na fase de estudo para a implementação, 55% estão na fase de implementação e apenas 5% já concluíram a implementação e já estão em fase de testes. Importante ressaltar que, apesar do prazo de vigência ser a partir de 2023, as seguradoras deverão preparar os dados contábeis a partir de 2022 para permitir a comparabilidade dos saldos das demonstrações financeiras (2023 x 2022), informa Claudia Eliza Medeiros, líder de consultoria de Seguros da PwC Brasil.

A Susep informou que estuda o tema e avalia sua adoção no mercado segurador brasileiro, tendo em vista sua responsabilidade de supervisionar a indústria, bem como a extensão da eventual adoção, a definição de parâmetros, o nível de aderência e os prazos adequados para sua implementação. “Sabemos que há empresas que, em breve, já terão que gerar informações nesse novo padrão, para fins de consolidação com matrizes estrangeiras que já necessitem reportar com base nas regras do IFRS 17”, informou a autarquia. 

Na Europa, a discussão é mais rotineira do que no Brasil. Os europeus afirmam que o IFRS, discutido há 20 anos, foi projetado para simplificar as demonstrações financeiras complexas das seguradoras. O impacto das novas regras não será sentido de maneira uniforme em todo o setor. As seguradoras de vida serão mais afetadas do que as seguradoras de danos, que engloba bens patrimoniais e responsabilidades.

Para entender melhor o tema, leia a entrevista concedida ao blog Sonho Seguro por Claudia Eliza, que tem 30 anos de experiência e possui expertise consolidada em IFRS e USGAAP, consultoria de processos e transformações financeiras envolvendo IFRS 17 para seguradoras e resseguradoras. Bacharel em Economia e Ciências Contábeis pela UERJ, com extensão executiva em “Business Strategy” pelo Insead e Contadora Pública nos Estados Unidos da América, Claudia também é Membro da Câmara Americana e do IBRACON.

Para aprofundar o assunto no Brasil, o IFRS 17 será tema do roadshow virtual promovido pela PWC no dia 11 de maio, das 9h as 11h. “Nesta edição do Brasil, contaremos com a presença de nossos especialistas globais e locais, compartilhando suas percepções sobre os mais recentes desenvolvimentos do processo de implementação do IFRS 17, desafios e soluções de tecnologia #IFRS17”, conta a executiva. A sessão será em inglês e português. Saiba mais

Leia abaixo a entrevista concedida pela líder de consultoria de Seguros da PwC Brasil:

A introdução da IFRS 17, elaborada pelo International Accounting Standards Board (IASB), é considerada uma das maiores alterações já ocorridas no setor segurador. Qual a importância do IFRS 17 para o setor?

Ao adotar a norma, a seguradora uniformizará suas demonstrações financeiras às práticas contábeis internacionais, tornando-as comparáveis às outras seguradoras e, auxiliando, portanto, os seus investidores e acionistas na tomada de decisões. Esse é apenas um dos benefícios, mas a metodologia adotada está próxima às regras da Solvência II, facilitando o gerenciamento de riscos das Seguradoras, além de produzir informações mais transparentes e úteis aos acionistas e público em geral no que tange à performance dos contratos de seguros.

Qual o impacto da implementação dessas normas para as seguradoras, em seus balanços?

A nova norma contábil altera de forma relevante a forma com que as seguradoras elaboram suas demonstrações financeiras, pois leva em consideração as estimativas de entradas, saídas, ajuste de risco e margem de lucro a ser auferida pela seguradora ao longo do período de vigência do contrato ou portfólio. A seguradora diferirá a margem de lucro esperada ao longo da vigência dos contratos, mas caso os contratos ou portfólios demonstrem que são onerosos, a perda esperada é reconhecida imediatamente no resultado. 

Todas as seguradoras são obrigadas a adotar?

Não. Somente as seguradoras e resseguradoras que são requeridas a elaborar suas demonstrações financeiras de acordo com as normas internacionais de contabilidade (“IFRS”), ou seja aquelas de capital aberto ou que reportam informações financeiras para o exterior para consolidação pela matriz conforme as referidas normas internacionais. O IFRS 17 (ou CPC 50) deverá ser adotado pelas demais seguradoras brasileiras apenas quando exigido pelo regulador, no caso a Superintendência de Seguros Privados (Susep). Com base em uma pesquisa feita pela PwC no Brasil, 88% das seguradoras informam que precisam adotar o IFRS 17.

Os impactos são os mesmos para todos os ramos, como vida e previdência (life) e seguros de danos (no life)? 

A norma é aplicável para contratos que envolvem a transferência de risco para a seguradora ou ressegurador e, portanto, é aplicável para “life” e “no life”.  Há cerca de 12 decisões técnicas a serem tomadas, tais como nível de granulidade dos contratos, critérios de mensuração, ajustes de riscos, taxas de descontos, regra de transição, entre outras, que poderão gerar impactos distintos nas seguradoras e nos seus modelos de negócio.

O prazo final agora é 2023. Em qual estágio acredita que as seguradoras que atuam no Brasil estão?

A adoção da norma não é simples, pois envolve implantação de sistemas e ferramentas que tornem possível a captura de dados para modelagem dos fluxos de caixa e a “tradução” para a contabilidade, considerando os novos planos de contas e modelos de demonstrações financeiras. A PwC fez uma pesquisa com as seguradoras do Brasil e constatou que 32% das seguradoras ainda estão na fase de diagnóstico para entender os efeitos da mudança, 9% estão na fase de estudo para a implementação, 55% estão na fase de implementação e apenas 5% já concluíram a implementação e já estão em fase de testes. Importante ressaltar que, apesar do prazo de vigência ser a partir de 2023, as seguradoras deverão preparar os dados contábeis a partir de 2022 para permitir a comparabilidade dos saldos das demonstrações financeiras (2023 x 2022).

Sempre escuto investidores comentarem que os preços das ações das seguradoras têm um desconto em relação a outras empresas porque ninguém consegue entender suas contas. O IFRS 17 reduzirá esse desconto?

O IFRS 17 aumentará o nível de transparência pois que exige a divulgação da performance dos contratos de seguros considerando a visão de portfólio (modelo de negócio), rentabilidade e safra (vigência) dos contratos. Imagino que o investidor conseguirá interpretar melhor os números das seguradoras e comparar os seus produtos e resultados com outros players.

O IFRS está em discussão há mais de 20 anos. Ele foi atualizado para este novo cenário de inovação que o setor de seguros no mundo vive, considerando os seguros intermitentes, por exemplo?

A norma é muito abrangente e é possível aplicá-la para todos os tipos de contrato de seguros. A sua complexidade está exatamente nessa amplitude, pois exigirá do Segurador interpretações e tomadas de decisões para sua implantação, podendo gerar impactos distintos nos resultados dependendo das decisões.

Algumas seguradoras afirmam que os mercados de seguros são diferentes, com regras muito adaptadas ao arcabouço regulatório de cada país. É uma regra global ou ela pode sofrer adaptações? Que tipo de mudanças países como Inglaterra, Alemanha ou EUA fizeram?

Não tem muito jeito: quem precisa seguir as normas internacionais de contabilidade tem que adotar a norma na íntegra, independentemente do país. Certos reguladores ou Comitês de preparação de normas contábeis podem customizar a norma, mas se essa customização divergir muito da norma internacional, a seguradora terá que apresentar dois balanços: um para atender à norma contábil local e outra para atender à norma internacional. Piora a situação e exigência para as seguradoras que necessitam adotar o IFRS. 

E o Brasil? 

No Brasil, o Comitê de Pronunciamentos Contábeis emitiu o CPC 50- Contratos de Seguros que está correlacionado ao IFR 17, no entanto, a SUSEP ainda não referendou o pronunciamento e ainda não divulgou se, como e quando aplicará essa nova norma contábil para as seguradoras no Brasil. Se isso não ocorrer até 2023, as seguradoras de capital aberto e as que precisam preparar informações para a matriz deverão preparar dois balanços: um para atendimento às normas da Susep (normas atuais) e outra para atendimento às normas internacionais (IFRS 17). 

Seguradoras de capital aberto, estrangeiras e ligadas a bancos estão mais adiantadas do que seguradoras nacionais?

Sim, pelos motivos descritos acima.

Como a seguradora deve se preparar para atender ao IFRS 17? Quais são os primeiros passos? 

O primeiro passo é fazer um diagnóstico dos seus produtos para entender os que é necessário para aderência à norma no que tange a processos/ dados, sistemas e equipes. Uma ideia dos modelos de mensuração é importante para ajudar a seguradora a decidir que dados necessitará e qual sistema melhor se encaixa no seu modelo de negócio. Há diversas softwares no mercado e a PwC, por exemplo, desenvolveu globalmente o “In a Box”, que é um software bem utilizado mundialmente e relativamente simples, que parte dos modelos de fluxo de caixa e produz o plano de contas, registros contábeis, demonstrações financeiras e divulgações requeridas e pode rodar na nuvem. No entanto, a implantação dessa ferramenta e de outras no mercado é complexa, pois exige a organização de dados que muitas Seguradoras ainda precisam providenciar.

Com a pandemia, o prazo pode ser ampliado?

É pouco provável, pois a norma já foi adiada duas vezes.