CNseg – 11 de Julho de 2023 – Revista de Seguros

O desembarque maciço de estrangeiros — em especial, de brasileiros — em Portugal está provocando mudanças expressivas no mercado segurador lusitano. Se, por um lado, a inflação em disparada e a queda da renda dos portugueses fazem o número de apólices emitidas recuar; de outro, os imigrantes que aportam no país europeu estão impulsionando negócios no setor, obrigando as empresas a se modernizar, com mais absorção de tecnologia e incremento dos quadros de pessoal com trabalhadores vindos de fora.

“É um movimento sem volta”, afirma Lívia Albuquerque Bisoni, business developer na MSD Portugal, corretora de seguros e consultoria de riscos líder no território luso e terceira maior no Brasil. “Há cinco anos, havia um brasileiro na empresa, hoje, são oito. Isso se reflete nas corretoras e seguradoras. É importante ter pessoas que conheçam os clientes”, diz.

A Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensão (ASF), responsável pela regulação e fiscalização do mercado, e a Associação Portuguesa de Seguradoras (APS) ressaltam não ter estatísticas oficiais para medir o impacto da entrada de consumidores estrangeiros no mercado segurador. Mas ambas as entidades admitem que as apólices emitidas em nomes de imigrantes não param de crescer. Em Portugal, há seguros obrigatórios para qualquer cidadão, independentemente do país de origem.

“Quem comprar um imóvel com financiamento bancário, por exemplo, terá necessariamente que fazer um seguro de riscos atrelado ao crédito e, muitas vezes, também um seguro de vida, para que o contrato seja liquidado em caso de morte do mutuário. Há, ainda, a obrigatoriedade de seguros para carros, diferentemente do Brasil”, explica Sandra Utsumi, diretora-executiva do Haitong Bank

Dados mais recentes do Serviços de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) apontam que há mais de 800 mil estrangeiros vivendo legalmente em Portugal. Desse total, quase 350 mil são brasileiros. Não por acaso, ressalta o corretor Carlos Melo, os cidadãos oriundos do Brasil estão entre os que mais demandam serviços das seguradoras atualmente. “Tenho vendido principalmente seguros de automóveis, motos, habitação e saúde para os brasileiros. E estamos falando de um público muito exigente, que procura saber todos os detalhes dos contratos. Isso tem nos obrigado a buscar mais conhecimento sobre os produtos que oferecemos”, acrescenta Melo. Lívia Bisoni ressalta que a modernização imposta pelos clientes brasileiros e pessoas de demais nacionalidades foi tão forte que as seguradoras tiveram que correr para se adequar “Até pouco tempo atrás, as empresas portuguesas sequer emitiam apólices em inglês”, afirma.

OLHO NA LEGISLAÇÃO

Morando em Portugal há um ano, o carioca Jorge Marques conta que, tão logo chegou ao país, tratou de fazer um seguro de saúde. Ainda que o SNS, sistema público de saúde português, ofereça consultas, exames e cirurgias gratuitas, ele percebeu que ficar dependente apenas da rede governamental não era um bom negócio, sobretudo pelas dificuldades de atendimento nos grandes centros urbanos. “Estou pagando 180 euros (R$ 1,1 mil) por mês para o seguro de saúde do casal. Aqui há diferenças em relação aos planos do Brasil. A coparticipação é regra. Usou, pagou parte dos serviços. Outro ponto importante que exige muita atenção: o histórico médico do Brasil é zerado, começa-se uma nova vida. Demorei um pouco para entender isso”, diz ele, que logo depois,  fez três seguros: para o crédito do imóvel que comprou, de vida e do carro. “Os da casa e do carro são obrigatórios”, informa. Funcionária da área de Tecnologia da Informação (TI) da Volkswagen, Renata Lima afirma que não pensou duas vezes em fazer seguros tão logo chegou a Portugal, em 2019. “Assim que comprei meu apartamento, fiz o seguro de crédito e o de multirriscos. E foi muito importante. Os prédios de Lisboa são bem antigos, e tive problemas com a tubulação duas vezes. Até alagamento enfrentei. E o seguro cobriu tudo”, relata. Renata, que era precavida também no Brasil, ainda tem o seguro obrigatório do automóvel e outro para complemento de renda após a aposentadoria. A empresa dela arca com o seguro saúde. “É questão de segurança. Não é só porque estou vivendo em Portugal”, enfatiza. Para Daniel Cupertino, também do ramo de TI, funcionário da Airbus em Portugal, a grande preocupação ao fazer seguros no país que escolheu para viver foi observar a legislação. “Há diferenças em relação ao Brasil. Por isso, fiquei atento a todos os detalhes”, destaca ele, que também fez seguros obrigatórios para o crédito imobiliário — adquiriu um apartamento em Almada, ao lado de Lisboa — e para o automóvel. “O seguro de saúde é pago pela empresa”, assinala. José Pires do Prado, que mora há quatro anos em Caldas da Rainha, região central de Portugal, conta que, além do seguro residencial atrelado à hipoteca da casa e o do carro, contratou seguro saúde para ele, a mulher e os dois filhos adolescentes, para não depender só do sistema público de saúde. “Agora pensamos em contratar um seguro para pets, como forma de proteger nossos dois cachorros. Estamos estudando as condições”, diz. Essa multiplicidade de serviços demandados por brasileiros e outros estrangeiros era mais do que esperada, ressalta Paulo Bracons, consultor em seguros e serviços financeiros, que já passou por algumas das principais seguradoras portuguesas. Segundo ele, num primeiro momento, os imigrantes também impulsionaram os seguros de crédito habitacional, automóveis e vida.

Outros ramos que tendem a ser beneficiados: de pets e aqueles voltados para bens usados por profissionais de tecnologia, como celulares, computadores, iPads. “São instrumentos de trabalho, e estamos vendo um movimento dos nômades digitais para Portugal”, acrescenta. Futuramente, as estatísticas retratarão essa nova realidade.

BOOM ESTÁ POR VIR

No entender do português Nuno Vieira, sócio no Brasil do setor de seguros da Ernst & Young (EY), o grande boom da participação de estrangeiros, principalmente de brasileiros, no mercado segurador de Portugal ainda está por vir. “Por enquanto, estamos vendo pessoas físicas entrando no mercado. Mas o incremento verdadeiro virá com investimentos estrangeiros no setor produtivo. As empresas demandam uma série de serviços, a começar por seguros para fábricas, grandes obras e coletivos para trabalhadores”, explica. A brasileira Embraer anunciou recentemente parceria com a portuguesa Ogma, para produção e manutenção dos aviões de defesa Super Tucanos, já seguindo os parâmetros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Como esse, outros projetos vão se desenvolver. Os números oficiais reforçam a visão de Vieira. No primeiro trimestre deste ano, o mercado de seguros português como um todo encolheu 10,4% ante o mesmo período do ano passado. Já os seguros para o crédito à habitação avançaram 4,6% em igual comparação, indicando a presença de imigrantes nesse segmento. “Precisamos acompanhar de perto a evolução dos investimentos estrangeiros em Portugal. Quanto mais crescerem, mais o mercado de seguros será demandado”, acredita. Para Lívia Bisoni, da MDS, já é percebida a presença de capital externo nas áreas de turismo, construção e tecnologia, e gigantes estão fincando centros de TI em território luso, devido aos custos mais baixos do que os praticados em outros países da Europa. Dono de um badalado restaurante em Lisboa, o Bono, o chef brasiliense Robson Oliveira conta que, para abrir seu negócio, teve de contratar seguros obrigatórios para a proteção coletiva de seus empregados. “Sem esse seguro, não há como abrir as portas”, ressalta. Há ainda seguros contra riscos gerais, pois todo empreendimento está sujeito ao inesperado. Na vida pessoal, ele paga seguro de saúde e de  automóvel. “Sempre tive seguros no Brasil e, morando no exterior, esse tipo de produto torna-se ainda mais importante”, emenda. O chef, que está se preparando para abrir o segundo restaurante na capital portuguesa, também buscou proteção para Snow, seu cão de estimação. A empresária Sílvia Caetano, dona da Light Design, sentiu na pele — e no bolso — o quanto um bom seguro pode fazer a diferença ante intempéries. Em dezembro de 2022, a região onde ficava a sede de sua empresa (Algés) foi totalmente alagada duas vezes, no prazo de uma semana. A quantidade de chuva que caiu na região foi tamanha que destruiu tudo: móveis, computadores, arquivos e os estúdios nos quais eram desenvolvidos projetos de iluminação para a clientela. Na época que contratou o seguro, não se previa eventos extremos. A cobertura dos prejuízos ficou aquém da realidade. “Agora, estou vendo novas apólices, para que todos os riscos sejam cobertos”, assinala. Além da compra de seguros empresariais, ela adquiriu seguros saúde em favor de  seus dez funcionários e de familiares 

PRODUTOS PREMIUM

A exigência maior dos brasileiros por qualidade fez surgir um mercado de produtos premium em Portugal, afirma Lívia Bisoni. “Corretoras, seguradoras e brokers tiveram de criar áreas de atendimento private. Os brasileiros gostam de ser bem tratados”, relata.

Esse segmento mais especializado se consolidou nos últimos três anos, quando a imigração para Portugal deu um salto espetacular. “Nesse período, na empresa em que atuo, o total de seguros aumentou 33%, já as apólices que cobrem riscos como os do crédito imobiliário dobraram, indicando claramente que estrangeiros, sobretudo os brasileiros, estão cada vez mais presentes no mercado. Hoje, 50% das empresas que atendemos vieram de fora”, completa. Paulo Bracons vê um espaço imenso para crescimento do mercado segurador de Portugal por causa dos imigrantes. “A comunidade brasileira no país está muito forte e cresce ano após ano. O perfil dos imigrantes oriundos do Brasil também mudou”, ressalta ele. Até metade da década passada, prevaleciam trabalhadores em busca de oportunidade no país europeu; mais recentemente, o movimento tem sido liderado por um público de mais alta renda. Dois dados chamam a atenção. Os brasileiros estão no topo do ranking dos estrangeiros que mais compram apartamentos acima de 1 milhão de euros (R$ 5,6 milhões) em Portugal e, enquanto empresários, respondem por três de cada dez contratações de trabalhadores estrangeiros. Com os portugueses sofrendo para fechar as contas do mês, as seguradoras não admitem abrir mão de brasileiros, ingleses, americanos, chineses e franceses, que demandam todos os tipos de serviços. A próxima década, aposta Nuno Vieira, delineará uma nova face do setor. Segundo relatório de 2021 da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensão, Portugal tem 589 empresas de seguro em operação, sendo 26 estrangeiras. São 10.349 trabalhadores atuando no setor. Foram gerados, naquele ano, 12,4 bilhões de euros (R$ 70 bilhões) em prêmios, o equivalente a 5,9% do Produto Interno Bruto (PIB) do país