CQCS – 17 de Dezembro de 2020

Diversas inovações regulatórias, efetivadas em 2020, sobre a conduta das seguradoras no relacionamento com os seus clientes, estão em evidência no Boxe de Relações de Consumo da Conjuntura CNseg nº 34. A Resolução CNSP nº 382, de 04 de março de 2020, está entre as mudanças importantes, ao dispor sobre princípios e regras que devem ser observados na conduta do relacionamento com o cliente e sobre o uso de cliente oculto na atividade de supervisão da Susep.  E também a Circular Susep nº 613, de 11 de setembro de 2020, que disciplina o atendimento das reclamações dos consumidores, representando ampla revisão do marco regulatório no que diz respeito ao tratamento e atendimento ao consumidor de seguros.  

A Resolução CNSP nº 382/20 implantou diretrizes que devem ser observadas pelas seguradoras ao longo de sua atividade e que têm amplo alcance, como o tratamento de forma ética e transparente e a consideração dos interesses de diferentes tipos de clientes. À semelhança do próprio Código de Defesa do Consumidor, a Resolução se valeu de normas principiológicas que permeiam toda a relação de consumo.  

Sua incidência é ampliada pela definição do ciclo de vida do produto, que vai da sua concepção ao integral cumprimento do contrato, incluídas suas alterações, renovações ou reclamações, durante o que a atividade da seguradora deve observar corolários como lealdade, transparência e responsabilidade.  

A Resolução 382 previu também a criação de uma política institucional de conduta que deve nortear a atuação das seguradoras. Para garantir a sua efetividade, a norma dispõe sobre a obrigatoriedade de acompanhamento, controle e mitigação de riscos. Os terceiros, prestadores de serviços, e os intermediários também foram incluídos na Resolução. Sobre os primeiros, a política institucional deve contemplar os critérios para sua escolha, remuneração e controle. Quanto aos intermediários, sua relação com as seguradoras não pode ser prejudicial ao tratamento adequado do consumido. Além da possibilidade de fiscalização pelo cliente oculto, foi prevista a adoção de sanções que podem ir desde a aplicação de multa até o extremo da cessação compulsória das atividades. Previamente à aplicação de punições, contudo, é prevista também a apresentação de plano de ação para correção de inadequações.

A segunda alteração regulatória significativa no relacionamento com o consumidor foi a Circular Susep nº 613, de 11 de setembro de 2020, que disciplina o atendimento a reclamações e às denúncias. Uma das inovações trazidas pela Circular é a diferenciação entre a reclamação e a denúncia. A primeira consiste num relato “individualizado de insatisfação do consumidor” quanto à atividade da seguradora, sendo o caminho pelo qual deve buscar a solução de seu caso específico. Já a segunda é um “relato de suposta infração a dispositivos legais ou infralegais disciplinadores das atividades”.  A nova sistemática inova substancialmente em relação ao fluxo anterior.  

No novo modelo, a partir de 1º de janeiro de 2021 a Susep não tratará mais das reclamações dos consumidores, mas os direcionará à plataforma Consumidor.gov.br, mantida pela Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça e Segurança Pública. A mudança vai ao encontro do Decreto nº 10.197, de 2 de janeiro de 2020, que consagra o Consumidor.gov.br como plataforma digital oficial da administração pública federal para autocomposição nas controvérsias em relações de consumo. 
Pela mesma razão, a Circular Susep nº 613 obrigou as sociedades seguradoras, de capitalização e entidades abertas de previdência complementar a aderir ao Consumidor.gov.br até 30 de outubro de 2020, definindo ainda que a unidade responsável por seu tratamento é a Ouvidoria, cuja atuação é pautada pela Resolução CNSP nº 279/13. A denúncia também segue rito próprio. Ela poderá ser apresentada por meio físico ou eletrônico, com indicação do suposto infrator e da suposta infração, dentre outros requisitos. Sua apresentação pode gerar a instauração de Processo Administrativo Sancionador, a remessa ao órgão competente, caso diverso da Susep, ou o arquivamento, caso insubsistente.  

Merece destaque ainda a possibilidade de criação de índices pela Susep a serem utilizados para ações de supervisão, aprimoramento da regulação e definições de ações financeiras, criados com base no registro das reclamações.  
Ainda é cedo para que se possa falar em resultados desse novo regramento, especialmente ante a sua complexidade. Contudo, é de se esperar que ele contribua para o constante aperfeiçoamento do mercado e o desenvolvimento de relações de consumo cada vez mais leais e transparentes, ganhando tanto as empresas como os consumidores.