Folha de S.Paulo – 23 de Julho de 2020
A Folha de S.Paulo relata que as condições problemáticas de acesso à internet no Brasil estão entre as barreiras enfrentadas para a telemedicina direcionada à Covid-19, disse Leandro Rubio Faria, cardiologista do Hospital Samaritano de São Paulo e um dos fundadores da Missão Covid, no Ao Vivo em Casa, série de lives da Folha, nesta quarta (22). O médico foi entrevistado pelo repórter da Folha Emilio Sant’Anna.
O projeto Missão Covid é uma plataforma online que conecta médicos voluntários a pessoas com sintomas da Covid-19 para um primeiro atendimento remoto, gratuito e relativamente rápido, de cerca de dez minutos. Por causa das medidas de isolamento social durante a crise da Covid-19, a telemedicina foi liberada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), em março, em caráter excepcional durante a pandemia.
A prática da telemedicina vinha sendo debatida pela comunidade médica e encontrava resistência. Em 2019, chegou a ser aprovada pelo Conselho, que revogou a medida após pressões de conselhos regionais.
Com a telemedicina, essencial para o trabalho do projeto a partir de telechamadas, é possível conseguir inúmeras informações importantes sobre o estado do paciente, diz Rubio Faria.
‘Eu consigo ver se o paciente está acamado, prostrado, quietinho, sonolento. Semana passada peguei uma vovózinha, na faixa de uns 70 anos, que estava deitadinha, coberta, com face de dor. Com isso eu já consigo diferenciar um paciente mais grave de um menos grave. Consigo ver se o paciente está corado, vermelhinho, se ela está suando, sudorreico. Consigo ver se ele está desidratado, com ele abrindo a boca. Essa senhora eu consegui ver que estava desidradata. Ela tinha todos os critérios para eu mandar ela para um atendimento médico presencial’, afirma o médico.
Segundo o especialista, no exterior já há dispositivos entregues aos pacientes que, além da imagem da telechamada, conseguem informações médicas mais precisas para análise a distância do médico.
No Brasil, contudo, apesar do grande volume de smartphones, a telemedicina, em algumas áreas, sofre com as condições de conexão. ‘A internet é uma barreira no nosso país. Não falo nem só de capilaridade, mas também do custo. A nossa realidade é pré-pago’, diz Rubio Faria. ‘Para fazermos a avaliação, precisamos de uma boa internet.’
O cardiologista do Hospital Samaritano de São Paulo afirma que o projeto não tem tantos problemas com isso por ter parceria com uma operadora de telefonia, mas que, mesmo assim, médicos da Missão Covid já tiveram que fazer orientações por WhatsApp, pela impossibilidade de uma videochamada.
Esses casos de orientação sem imagem ocorreram em atendimentos de indígenas, diz o médico. ‘Não é o melhor dos mundos. Eu nem considero um atendimento, mas é a única maneira de conseguir ajudar.’
Indígenas têm prioridade na fila do projeto e, até o momento, em cerca de um mês desde o início do atendimento destinado para povos indígenas (o projeto como um todo teve início em março), já foram atendidos quase cem índios.
Segundo o cardiologista, a Missão Covid, até o momento, tem mais de 1.200 médicos voluntários, outros 50 voluntários de áreas variadas e já realizou mais de 69 mil atendimentos, além de 160 mil pacientes cadastrados. Há ainda, diz Faria, muita procura de advogados (especializados em LGPD, proteção de dados) e profissionais de comunicação para entrar como voluntários no projeto.
‘Eu pego meus tempos livres e entrego o que posso. Atendo no mínimo cinco pacientes por dia de forma voluntária’, diz Faria.