Folha de São Paulo – 14.fev.2024 às 10h00 – Thiago Amâncio – SÃO PAULO
Foi a explosão nas vendas de bicicletas no começo da pandemia de Covid-19, em 2020, que fez Francisco das Chagas Rodrigues, 47, mais conhecido como Kim, tomar a decisão de abrir uma segunda bicicletaria no Piauí.
A BikeXtreme, de Piripiri (a 165 km de Teresina), já não era suficiente para atender a região do norte do estado, que atrai clientes também do Maranhão e do Ceará, e Kim resolveu abrir uma unidade em Pedro II, a 51 km de distância.
“Teve um aumento desproporcional da bicicleta no começo da pandemia. Mas depois afundou… As bicicletas ficaram encostadas, sem giro”, diz o lojista, que resolveu fechar a primeira loja em meio à queda no movimento.
A experiência de Kim reflete o estado do comércio de bicicletas no Brasil, que atingiu um pico no começo da pandemia e tem regredido desde então. É o que mostram dados da Aliança Bike (Associação Brasileira do Setor de Bicicletas), que monitora anualmente as vendas do setor —e espera uma reversão na curva neste ano.
No mundo pré-pandemia, o varejo vendia entre 4 milhões e 4,5 milhões de bicicletas por ano no Brasil, segundo os dados de 2018 e 2019 levantados pela entidade.
Com a emergência sanitária de 2020, no entanto, as magrelas surgiram como solução de lazer ao ar livre, exercício físico em tempo de academias fechadas e deslocamento com distanciamento social.
O setor viu um crescimento de 50% naquele ano, com as vendas atingindo a casa dos 6 milhões. No ano seguinte, 2021, foram mais 5,8 milhões de unidades novas nas ruas.
Foi a partir de 2022 que o setor começou a sentir o baque, com queda de 35% em relação ao ano anterior e 3,77 milhões de bicicletas vendidas. E, em 2023, outra queda de 15%, com 3,2 milhões de unidades vendidas.
“O mercado como um todo não conseguiu visualizar que aquele patamar de demanda alta não se manteria, imaginamos que seria de forma mais suave”, diz Daniel Guth, diretor-executivo da Aliança Bike.
“O Brasil teve uma baixa capacidade de reter e fidelizar os ciclistas da pandemia, com pouca ampliação de ciclovias, falta de uso público em parques e poucas políticas de incentivo à bicicleta em todas as suas formas”, diz.
“Deveríamos ter aproveitado a janela de oportunidade da pandemia para aumentar áreas de lazer e transporte. Sem isso, as pessoas voltaram às suas rotinas anteriores.”
A família de José Scattone, 47, atua no ramo de bicicletas há mais de cem anos, 72 deles com a Scatt Bikes, uma das lojas mais antigas de São Paulo em funcionamento. Ele assumiu o negócio da família há 22 anos.
Desde a pandemia, duplicou a operação: das duas lojas que tinha na capital paulista, saltou para quatro, com uma unidade nova em 2021 na Mooca e outra em 2022 em Santos (SP).
“O mercado no período de restrições bombou. A gente agendava atendimento ao público, e, como não tinha muito o que fazer e o pessoal procurava atividades ao ar livre, o negócio cresceu muito”, diz.
Scattone sentiu a queda de vendas nos anos seguintes, que seria maior ainda se não fosse por um modelo específico: as elétricas, que, embora representem uma pequena porcentagem do total, têm segurado o faturamento das lojas.
“A venda de elétrica é específica, tem uma demanda diferente. Aqui na loja muitas vezes é uma pessoa que começa a pedalar e gosta, mas não está acostumada e procura uma elétrica. Em quantidade de vendas é muito pouco, mas, do meu faturamento, de 10% a 12% vêm de elétricas”, afirma ele.
No Brasil, as elétricas são responsáveis em média por 5% do faturamento, segundo os dados da Aliança Bike, embora representem apenas 2% das vendas totais —as mais populares ainda são as mountain bike, 70% de todas as vendas.
Vista como solução de mobilidade nas grandes cidades, a proporção de elétricas no país ainda está muito aquém da de outras nações, como a Alemanha, onde elas ocupam metade das vendas.
A expectativa da associação, no entanto, é que em 2024 o número de bicicletas vendidas volte a subir e possa alcançar o patamar pré-pandemia. Isso porque a queda vem desacelerando e a cadeia global de suprimentos vem se normalizando, o que permite uma redução de preços. Além disso, lojas têm queimado os estoques para dar lugar a modelos novos, vendendo por vezes abaixo do preço de custo.
Para Kim, dono da BikeXtreme no Piauí, no entanto, “há um desânimo geral”. Ele afirma que “houve uma desaceleração muito grande na cultura de bicicleta como um todo”, e diz que tem visto menos eventos com grupos de ciclistas amadores, menos participações em provas.
Sintoma disso é que ele vê uma diminuição não apenas na compra de bicicletas, mas também de acessórios como luva e capacete. “Os novos clientes, que compravam essas coisas, sumiram do mercado.”