Revista de Seguros – 03 de Maio de 2022

As temperaturas médias do planeta vêm aumentando, e os efeitos climáticos desse fenômeno já estão afetando a economia, agravando os problemas sociais e levando até a movimentos migratórios. Segundo o mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), da ONU, 3,3 bilhões de pessoas estão vulneráveis, ou cerca de 40% da população mundial. O grau do aquecimento global e suas consequências dependem da adoção (ou não) de medidas que limitem a emissão de gases do efeito estufa, mas, como esses passos têm sido lentos, o mundo tende a caminhar para um cenário de secas mais intensas, elevação do nível dos oceanos e maior agressividade dos eventos metereológicos de uma forma geral.

Segundo a professora da Coppe/UFRJ e secretária-executiva do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), Andréa Santos, é difícil calcular com precisão os efeitos REFUGIADOS DO CLIMA [ Por: Michel Alecrim Fotos: Divulgação, banco de imagens Google ] do aquecimento global para o Brasil, tendo em vista a histórica precariedade do País ao lidar com os eventos climáticos. Exemplos disso são o flagelo da seca no Nordeste e os estragos das chuvas de verão no Sudeste. Mas a recente tempestade que desabou sobre Petrópolis, na Região Serrana fluminense, no dia 15 de fevereiro, seria um retrato desse agravamento, tendo em vista o fato de o volume de água que caiu em três horas ter sido o equivalente ao previsto para o mês inteiro.

Tempestades de verão como aquela causam cada vez mais deslizamentos de encostas, o que provoca mortes e desabrigados. Os alagamentos também geram prejuízo para o comércio, serviços e turismo em todos os lugares em que ocorrem. Sem contar a interrupção do tráfego nas rodovias, quando o volume dos rios sobe além do normal, destruindo pistas ou pontes. O prejuízo para o poder público é imenso. Além dos custos com obras de reconstrução, o fechamento de estradas afeta a cadeia de logística e os suprimentos das empresas.

De acordo com Andréa Santos, essas são consequências já visíveis dos eventos extremos que o aquecimento global está trazendo por meio das chuvas. No entanto, as secas mais intensas, também responsáveis pela redução na produção de energia hidrelétrica, afetam o abastecimento de água das cidades e provocam impactos também graves na agricultura.

“O Acordo de Paris prevê reduzir as emissões de CO2 e limitar o aquecimento global abaixo de 2ºC, mas infelizmente quase nada foi feito, e caminhamos para um cenário perigoso. Será preciso mais investimentos em medidas de mitigação e uma série de adaptações para enfrentar eventos climáticos cada vez mais intensos e frequentes”, explica Andréa.

Para ela, todo esse quadro também representa um desafio para o setor de seguros, que tem como missão proteger pessoas e atividades econômicas. Por isso, as empresas do setor terão que realizar estudos para analisar os riscos de eventos adversos.

PREOCUPAÇÕES COM O BRASIL

O Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas apontou várias preocupações com relação ao Brasil. Entre elas, estão o agravamento das secas na região Nordeste e maior aridez e número de queimadas no sul da Amazônia e no Centro-Oeste, além de mudança no regime das monções nessas regiões, com atraso nas chuvas torrenciais.

Joaquim Neto, presidente da Comissão de Seguro Rural da FenSeg, afirma que a entidade tem acompanhado atentamente a ocorrência desses fenômenos extremos no campo. O ano de 2021 foi marcado por eventos negativos, que afetaram severamente a safra de grãos. O inverno no Sul foi marcado pela seca, e a colheita no verão, tanto nessa região quanto no Centro-Oeste, foi drasticamente prejudicada por chuvas fortes e de granizo.

“O Seguro Rural, que cresceu 40% no ano passado, foi impactado por uma série de oscilações do clima por conta do La Niña, como geadas intensas “O Acordo de Paris prevê reduzir as emissões de CO2 e limitar o aquecimento global abaixo de 2ºC, mas infelizmente quase nada foi feito, e caminhamos para um cenário perigoso.” Andréa Santos, UFRJ/COPPE e períodos de seca severa. As perdas por eventos climáticos estimulam os produtores a buscarem proteção do seguro”, afirma Joaquim Neto.

Agricultores mais desprotegidos e sem acesso ao seguro, não só no Brasil como no mundo todo, tendem a sofrer mais os efeitos do clima. Em muitos casos, podem até deixar suas terras por falta de condições de sustento. Segundo Neto, “por conta das perdas agrícolas que o clima tem ocasionado, muitos produtores devem buscar o seguro agrícola para se garantir.”

AUMENTO DO NÍVEL DO MAR

Segundo relatório “Groundswell” do Banco Mundial (Bird), 216 milhões de pessoas em seis regiões do mundo, incluindo a América Latina, correm o risco de emigrarem de seus países até 2050, em virtude da crise climática. Além de secas, chuvas e maior intensidade de tufões e ciclones, as pessoas terão que se mudar devido à elevação do nível do mar, como já acontece, por ///REVISTA DE SEGUROS | 17 exemplo, em Atafona, em São João da Barra, no Norte Fluminense. Na localidade, mais de 500 casas já foram destruídas pelo fenômeno.

O banco já destinou US$ 26 bilhões em financiamentos voltados para a mitigação das mudanças climáticas nos últimos anos, com ênfase nos países pobres e em desenvolvimento. Recentemente, o Bird firmou uma parceria com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a fim de estabelecer um intercâmbio de experiências e informações. A partir dessa cooperação, será estruturada uma agenda conjunta relacionada ao clima, ao mercado de carbono e à biodiversidade no Brasil.

Nessa primeira fase da cooperação, serão estudados possíveis produtos e soluções financeiras para apoiar projetos que mitiguem os efeitos desses problemas, por meio da análise das ferramentas de medição de risco e de impacto com relação a esses aspectos. Experiências já bem-sucedidas implementadas pelo Banco Mundial em outros países, bem como a atuação do BNDES no Brasil na agenda de clima e biodiversidade, serão levadas em conta. Estão em pauta as normas editadas recentemente pelo Banco Central do Brasil, que tratam dos riscos socioambientais e climáticos para o Sistema Financeiro Nacional.

“As mudanças climáticas trazem consequências para a sociedade, como o aumento de eventos extremos, tanto em frequência quanto em intensidade, que vem sendo documentado há vários anos e impactando a economia”, diz o diretor de Crédito Produtivo e Socioambiental do BNDES, Bruno Aranha, citando o relatório da Swiss RE, que aponta perdas econômicas globais derivadas de eventos naturais em 2020 da ordem de US$ 190 bilhões, com apenas US$ 89 bilhões segurados.

Ele ressalta que os impactos econômicos no setor agrícola geram quebras de safra e vêm ocorrendo com maior frequência. “A disponibilidade hídrica também vem sofrendo nos últimos anos, basta recordar a crise hídrica no Estado de São Paulo em 2014 e o que aconteceu em 2021, com o acionamento de usinas termelétricas para evitar a necessidade de racionamento. Isso apenas para citar dois exemplos”, afirma Aranha.

IMPACTO NA INFRAESTRUTURA

O banco também acompanha o impacto das mudanças climáticas sobre diversas infraestruturas. À medida que as temperaturas venham a se elevar ainda mais no futuro, adaptações em ativos serão necessárias. Mudança em padrões de precipitação e temperatura podem levar à alteração da dinâmica de culturas agrícolas, inviabilizando estruturas de escoamento de produção ou demandando novas, não previstas.

Para Aranha, do ponto de vista de impactos sociais, a recente tragédia ocorrida em Petrópolis pode ilustrar bem essa situação. Primeiro, pelas perdas irreparáveis de vidas; segundo, pelos impactos sobre a rotina na localidade, que passa a conviver com uma situação de incerteza em relação ao que pode acontecer no futuro.

“As medidas tomadas serão suficientes para evitar novas tragédias? Situações como essa, que ocorriam uma vez a cada dezena de anos, vão se tornar cada vez mais recorrentes. É necessário destinar recursos para adaptação de ativos e também para melhorar a capacidade de resposta de estados e munícipios”, afirma.

O Sistema BNDES já dispõe de um conjunto de instrumentos que colocam em prática diretrizes de sua Política Corporativa de Responsabilidade Socioambiental. Entre eles, os financeiros de apoio para que as empresas melhorem seu desempenho ASG (sigla para Ambiental, Social e de Governança).

O Banco também oferece condições financeiras mais atrativas, com taxas menores e prazos maiores, para investimentos em setores que influenciam positivamente o meio ambiente e aspectos sociais, tais como os de saneamento e energias renováveis, entre outros instrumentos.

INICIATIVAS ESTIMULAM MERCADOS DE CRÉDITO DE CARBONO

A cooperação com o Banco Mundial também será responsável pela organização de workshops para estimular o desenvolvimento dos mercados regulado e voluntário de crédito de carbono. São negociações voltadas para a redução da emissão de CO2 na atmosfera que podem obter recursos por parte de poluidores que precisam mitigar os danos causados ao meio ambiente, reduzindo assim os fatores que contribuem para o efeito estufa.

O BNDES pretende neste ano iniciar o fomento à demanda do mercado voluntário de carbono brasileiro por meio de aquisição expressiva de créditos de carbono, o que contará também com a atração de outros compradores no mercado.

Bruno Aranha entende que a marca BNDES possa ampliar a consciência de responsabilidade ambiental em carbono no setor privado brasileiro e iniciar um ciclo de robusta e perene sinalização de demanda. Segundo ele, o projeto conta com parcerias de iniciativas de mercado organizado, visando desenvolver mecanismos de compra e venda centralizados e simplificados, dado que hoje o comércio se dá predominantemente via balcão e requer conhecimento técnico relativamente inacessível a muitos potenciais compradores.

“Acreditamos que atuar nesses pontos fundará importante alicerce para a liquidez e volumes necessários a um mercado eficiente, que é o que buscamos para o mercado voluntário de carbono brasileiro”, ressalta o diretor.

No Banco Mundial, a parceria também é vista com entusiasmo. “As populações mais pobres são também as mais vulneráveis às mudanças do clima. Se nada for feito, eventos climáticos cada vez mais intensos e frequentes podem levar 130 milhões de pessoas à pobreza e forçar mais de 250 milhões a migrar dentro de seus países até 2050. Por isso, essa agenda de mudança do clima está diretamente associada à missão do Banco Mundial, que é erradicar a pobreza e compartilhar prosperidade”, afirmou a diretora do Banco Mundial para o Brasil, Paloma Anós Casero, em um comunicado do Bird.

O problema é urgente e exige a tomada de medidas drásticas, além do aporte volumoso de recursos no mundo todo. O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), em parceria com Fórum Econômico Mundial e outras entidades, realizou um estudo que mostra que serão necessários investimentos na ordem de US$ 4,1 trilhões até 2050 para salvar a biodiversidade e ajudar na preservação do planeta por parte dos países do G20. Para cumprir a meta, seria necessário aumentar em pelo menos 140% o que é gasto hoje.