Notícias | 12 de fevereiro de 2025 | Fonte: CQCS | Nicholas Godoy

A recente publicação da Resolução 476 pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) trouxe mudanças significativas para a estrutura de remuneração dos executivos do setor de seguros. Inspirada nas diretrizes já aplicadas ao setor bancário, a norma estabelece exigências mais rígidas para o pagamento de bônus e incentivos, visando um maior alinhamento entre os interesses de longo prazo dos executivos e das companhias.

Para compreender os impactos dessa regulamentação, conversamos com Adriano Guatimosim Carneiro, sócios do escritório de advocacia Mattos Filho e especialista em Seguros, Resseguros e Previdência Privada. Ele detalha os desafios e implicações dessa nova regra para a governança corporativa das seguradoras e para a retenção de talentos no setor.

O que muda com a Resolução 467 e quais os desafios no mercado segurador?

Publicada em dezembro de 2024, a resolução entrará em vigor em janeiro de 2026 e estabelece diretrizes claras para a política de remuneração do setor. As mudanças incluem:

  • Incentivo de Longo Prazo (ILP): pelo menos 40% da remuneração variável dos executivos deverá ser diferida por, no mínimo, três anos.
  • Pagamento em Ações: 50% da remuneração diferida deve ser paga em ações da seguradora ou instrumentos baseados em ações, promovendo um alinhamento direto com a valorização da companhia.
  • Criação de Comitê de Remuneração: seguradoras classificadas nos segmentos S1 e S2 pela SUSEP deverão instituir um comitê para supervisionar e garantir a conformidade com as novas normas.
  • Maior Transparência: será obrigatória a divulgação detalhada dos valores pagos a executivos, fortalecendo a governança e a confiança do mercado.

Segundo Adriano Guatimosim Carneiro, a implementação dessa nova estrutura de remuneração exigirá uma mudança cultural e estrutural significativa dentro das seguradoras. “A adaptação exigirá um trabalho conjunto entre departamentos jurídico, de recursos humanos e financeiro para garantir que os modelos de remuneração estejam em conformidade. Pequenas e médias seguradoras, que possuem estruturas mais enxutas, poderão enfrentar mais desafios nesse processo”, explica o especialista.

Além disso, a diversidade do setor é um fator determinante. O mercado segurador no Brasil abrange desde grandes grupos multinacionais até seguradoras locais de menor porte. Enquanto as multinacionais já adotam práticas de remuneração semelhantes em outros países, as empresas menores precisarão reformular seus pacotes salariais para reter talentos sem comprometer sua competitividade financeira.

“A necessidade de implementar um componente de longo prazo pode criar uma certa resistência entre executivos acostumados a bônus anuais substanciais. Isso pode gerar um movimento de negociação e ajustes dentro das seguradoras, que precisarão encontrar um equilíbrio entre as novas regras e a retenção de talentos estratégicos”, analisa Adriano.

Aumento da governança corporativa 

A exigência da criação de Comitês de Remuneração é um dos aspectos mais relevantes da resolução. De acordo com Adriano, essa medida representa um avanço na governança corporativa do setor. “A existência de um comitê independente garante que as decisões de remuneração sejam tomadas de forma técnica e imparcial, reduzindo conflitos de interesse e promovendo maior transparência”, afirma.

Além disso, a obrigação de divulgar publicamente os valores pagos aos executivos aumenta a pressão por políticas de remuneração mais responsáveis. “Isso pode atrair mais investidores para o setor, pois aumenta a previsibilidade e confiabilidade das seguradoras. Um mercado com menos surpresas e mais transparência tende a ser mais sólido”, acrescenta Adriano.

A exigência de diferimento da remuneração variável e do pagamento em ações pode gerar certa resistência entre os executivos. Segundo Adriano, a adaptação dependerá de como as seguradoras vão estruturar seus pacotes de benefícios para compensar a falta de liquidez imediata.

“Os executivos precisarão se acostumar com a ideia de que parte do bônus será recebida ao longo dos anos e em ações. Para as seguradoras que não possuem capital aberto, será necessário criar instrumentos alternativos que permitam o pagamento dentro da norma sem causar insatisfação entre os profissionais”, explica.

Em mercados mais maduros, como o bancário, esse modelo já é amplamente adotado e demonstrou ser eficaz na criação de incentivos alinhados ao longo prazo. “Essa medida reduz o risco de decisões precipitadas que priorizem resultados imediatos, em detrimento da sustentabilidade financeira da empresa”, complementa Adriano.

Estratégias para a implementação 

Diante das mudanças, as seguradoras precisarão adotar estratégias eficazes para garantir a conformidade com a nova norma:

  • Revisão dos contratos e pacotes de remuneração: será necessário redefinir bônus e incentivos para incluir componentes de longo prazo.
  • Criação ou fortalecimento dos Comitês de Remuneração: garantir que as decisões sejam tomadas com base em critérios técnicos e alinhadas às diretrizes da resolução.
  • Engajamento dos executivos: realizar workshops e treinamentos internos para esclarecer as mudanças e reduzir resistências.
  • Planejamento de compliance: estruturar processos internos para atender às novas exigências de transparência e divulgação pública.

Apesar dos desafios iniciais, Adriano acredita que a Resolução 476 tem potencial para fortalecer o mercado segurador a longo prazo. “Seguradoras que adotarem as novas regras de maneira estratégica podem ganhar uma vantagem competitiva, pois estarão mais bem posicionadas para atrair investidores e talentos qualificados”, prevê.

Além disso, o aumento da governança e da transparência pode contribuir para uma maior estabilidade do setor. “Assegurar que as decisões estratégicas estejam alinhadas aos interesses da companhia e dos segurados é um avanço importante para um setor que precisa ser resiliente e confiável”, conclui Adriano.

A Resolução CNSP 476 representa uma mudança profunda na forma como os executivos do setor segurador serão remunerados. A exigência de diferimento da remuneração variável, o pagamento em ações e a criação de Comitês de Remuneração impõem desafios, mas também oportunidades para fortalecer a governança e transparência no setor.

Embora a adaptação demande planejamento e mudanças estruturais, especialistas apontam que, no longo prazo, a norma pode trazer benefícios significativos, garantindo que a remuneração dos executivos esteja alinhada com os objetivos estratégicos das seguradoras e promovendo maior estabilidade para o mercado.