Onda de aberturas e ofertas subsequentes no segundo semestre tem impulsionado a demanda por produtos associados às operações

Valor Econômico – 07 de Outubro de 2020

O Valor Econômico informa que a onda de aberturas de capital (IPOs) e de ofertas subsequentes de ações (follow-on) neste segundo semestre tem puxado a reboque a demanda por produtos e serviços associados às operações. É o caso do seguro POSI, sigla em inglês para “public offering securities insurance” ou seguro para oferta pública mobiliária, em tradução livre. É um produto que protege ofertas públicas iniciais e subsequentes de ações contra perdas financeiras causadas por terceiros, por exemplo, devido a contestações judiciais de investidores relacionadas a falhas no prospecto da operação.

Embora os dados da Superintendência de Seguros Privados (Susep), órgão regulador do setor, não discriminem o POSI das apólices de responsabilidade para administradores (D&O), seguradoras e corretoras têm registrado um grande aumento da procura pela proteção de emissões. Na seguradora Zurich, por exemplo, tanto a demanda quanto o volume de prêmios dobrou em relação a 2019. A Swiss Re Corporate Solutions, braço de seguros para empresas do grupo suíço, também reporta um aumento de procura, mas não divulga números.

A corretora e consultoria de riscos Marsh recebeu apenas neste segundo semestre pedidos de cotação para dez operações de IPOs nos próximos meses, ou seja, 25% do total de operações esperado para o ano. Outra corretora, a 3 Seg, contabiliza outras quatro apólices de POSI em negociação. Segundo o superintendente de linhas financeiras e seguro garantia da filial brasileira da suíça Zurich, Fernando Saccon, a procura pela proteção em 2020 está acima do verificado no melhor período de IPOs nas últimas décadas, que foi em 2007, quando foram realizadas 64 ofertas de ações com captação de R$ 56 bilhões.

“As vendas do produto superam bastante as de 2007, por conta do desenvolvimento do mercado e do maior conhecimento dos clientes [sobre os riscos].” O POSI ficou adormecido, segundo o superintendente da Zurich, por uma década ao longo da crise de 2008 e da recessão entre 2015 e 2016. A volta da demanda só ocorreu a partir de 2018. De acordo com Saccon, o prêmio para esse tipo de cobertura varia entre 0,3% e 1% do limite coberto, que, por sua vez, costuma ser de 20% a 30% da captação total. Conforme o diretor de linhas financeiras da Marsh no Brasil, Luis Guilherme Menezes, mais de 40 empresas devem fazer abertura de capital na bolsa brasileira neste ano, com um potencial de captação de R$ 67 bilhões.

Nesse cenário, se for considerada a mediana de 0,65% de taxa cobrada pelas seguradoras para o produto e a cobertura média de 20% do valor total das operações, o potencial bruto seria de R$ 87 milhões para os prêmios desse produto neste ano. Na experiência do mercado, porém, cerca de um quarto das ofertas efetivamente contrata esse seguro. Isso colocaria o potencial de prêmios em 2020 na casa de R$ 22 milhões. Mas, segundo Menezes, da Marsh, com maior conhecimento do produto pelo mercado esse montante pode subir. “Com base no que a gente viu neste ano, possivelmente, 50% daqueles que têm solicitado cotações podem optar pelo produto”, afirma.

A avaliação é partilhada pelo sócio-fundador da 3 Seg, Alexandre Delgado: “a tendência da conversão no momento atual é ser superior a 50%”. Para os próximos anos, Saccon, da Zurich, acredita na manutenção do potencial de crescimento para o POSI. “Diria que esse produto tem potencial de dobrar de tamanho em 2021 e continuar a crescer no mesmo ritmo após o ano que vem, tanto em número de contratações, como em geração de prêmios.” Na visão de Delgado, da 3 Seg, “a demanda mais forte está relacionada também a aprimoramentos do mercado de capitais e a um maior nível de transparência e compliance”. Segundo o executivo, “as pessoas passam a se preocupar e se precaver porque estão mais expostas”.

O POSI está estritamente relacionado a uma oferta de ações, que pode ser tanto IPO quanto subsequente, afirma o superintendente da Zurich. A apólice não é renovável e vale apenas para uma operação específica. Conforme o superintendente da seguradora suíça, a proteção dura de um a cinco anos após o IPO ou follow-on, dependendo do interesse do cliente. “A apólice cobre perdas financeiras decorrentes de reclamações relacionadas a oferta, como, por exemplo, uma ação judicial de classe, comum nos Estados Unidos”, aponta o executivo.

A empresa que vai abrir capital contrata um percentual do valor da operação como limite, como uma proteção que representa de 20% a 30% da captação. “Se o cliente, por exemplo, contrata um limite de R$ 50 milhões, ele paga uma taxa em torno de 0,3% a até 1% do limite que ele contrata. O percentual depende de vários fatores, como avaliação de riscos, governança e outros”, explica Saccon. Mas o principal objeto de análise é o próprio prospecto. “É um seguro que protege exatamente o prospecto da oferta”, resume Menezes, da Marsh. “O produto não faz restrição a tamanho ou indústria e é aderente a qualquer empresa”, acrescenta.

Apesar de ser focada nos executivos, a cobertura do POSI também pode se estender à empresa, aos acionistas emissores e aos controladores da companhia, aponta a chefe de responsabilidade civil geral e linhas financeira da Swiss Re Corporate Solutions, Marina Neufeld Schechner. “Por ser um produto que envolve valores elevados, as soluções são customizadas, de acordo com as necessidades do cliente”, diz.

O diretor da Marsh cita como exemplo o caso de uma companhia de turismo que abriu capital em 2020. “No começo do ano, uma empresa de cruzeiros marítimo fez IPO e nos fatores de risco dizia que já havia endereçado da melhor maneira e com todas as medidas sanitárias a questão da covid-19. Mas em janeiro, ninguém ainda tinha leitura clara do que seria a pandemia.”

Segundo Menezes, “dois meses depois a empresa parou de vender todos os pacotes e a ação despencou, porque o faturamento desabou”. Os investidores se sentiram lesados e um grupo entrou com uma ação. “Talvez tenha havido um erro de percepção de risco. Mas é justamente esse tipo de aresta que o seguro cobre.”

Outro exemplo, de acordo com o diretor da Marsh, é quando um emissor coloca no prospecto que vai usar os recursos para desalavancagem, “mas, dois meses depois, adquire um concorrente e a dívida aumenta”. Se o investidor buscar uma retratação, “o seguro vai cobrir esse prospecto”. O prazo de cobertura de até cinco anos tem como objetivo justamente cobrir eventos ocorridos após a abertura de capital ou oferta subsequente, mas ligados a uma contestação do prospecto. “Essas falhas são muitas vezes identificadas a posteriori”, aponta Menezes.

O POSI pode também ser contratado com data retroativa. Marina, da Swiss Re, explica ainda que “mesmo se o executivo tenha saído da empresa, se houver uma reclamação referente à oferta de ações objeto do seguro de POSI, enquanto ele estava na companhia, ele terá cobertura”.

O seguro, porém, não cobre reclamações não relacionadas à oferta, como dívidas tributárias contra o administrador ou fraudes. ‘Nesse caso, a dívida não tem nada a ver com a oferta, para isso tem o D&O [seguro para executivos]’, explica Saccon, da Zurich.