Após crescimento em 2020, nova onda de Covid traz incertezas. “Se acelerarmos o passo das vacinas, dá para prever um segundo semestre melhor do que o ano passado”, diz presidente da CNseg, Marcio Coriolano.

Valor Econômico – 25 de Março de 2021

O Valor Econômico relata que antever o desempenho do setor segurador em 2021 se tornou um exercício de futurismo. Se as projeções da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg) feitas em novembro apontavam para um crescimento entre 2,8% (cenário pessimista) e 13,1% (otimista) na arrecadação do ano – excluindo saúde suplementar e DPVAT -, a avassaladora segunda onda da covid-19 embaralhou as cartas e jogou por terra qualquer projeção de demanda por produtos de proteção e acumulação, em um cenário repleto de incertezas sobre o ritmo da recuperação do PIB, emprego e renda.

“Se o cenário de aumento do contágio, adoção de novas medidas de isolamento e falta de um calendário de vacinação prevalecer, 2021 tende a ser pior. Se acelerarmos o passo das vacinas, dá para prever um segundo semestre melhor do que o ano passado”, diz o presidente da confederação, Marcio Coriolano.

O setor sente o impacto das crises sanitária e econômica. Em 2020, houve uma “queda brutal” no ritmo de geração de receitas, na visão de Coriolano. “O agravante é que, um ano depois, sequer temos horizonte de controle do vírus”. A arrecadação em prêmios da indústria avançou 1,3% em 2020, em relação ao ano anterior, para R$ 273,7 bilhões – também sem saúde e DPVAT.

Embora o crescimento indique resiliência em um ano em que o Produto Interno Bruto (PIB) encolheu 4,1%, o maior da série histórica, o resultado significa queda real de receita, resultado atípico para um segmento que se acostumou a entregar crescimentos anuais de dois dígitos em vários momentos da década passada.

A heterogeneidade foi a marca da indústria em 2020 e, ao que tudo indica, tende a se repetir em 2021. Alguns ramos sofreram com a queda abrupta da demanda, a exemplo do seguro-viagem (-59,1%). Outros, com o cenário de crescente desemprego, que atingiu 13,5% da população em dezembro, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e da deterioração da renda.

Um exemplo é a carteira de automóveis, cuja arrecadação recuou 2,1%, em um ano em que as vendas de veículos novos, principal combustível dessa carteira, recuaram 26,6%, conforme a Fenabrave, a associação das concessionárias. O resultado está longe de um desastre, segundo executivos do setor, mas impacta os números gerais da indústria por se tratar de uma das maiores carteiras em prêmios.

“Voltamos ao patamar de vendas de veículos novos de quase 20 anos atrás. Se antes a estimativa é que chegaríamos em 2023 com vendas de cinco milhões de veículos, hoje, com muito custo, chegaremos a três milhões”, diz Murilo Riedel, presidente da HDI. As restrições de mobilidade e o fechamento de comércios, ainda que implantados de maneira errática e concentrados nos meses iniciais da pandemia, também impactaram carteiras como transportes (-0,4%) e garantia estendida (-6,3%) – essa proteção adicional a bens duráveis como eletroeletrônicos tem nas lojas físicas um forte canal de vendas.

Os planos de previdência PGBL e VGBL merecem um capítulo à parte. Após o forte desempenho em 2019, a carteira sentiu o impacto da recessão e da volatilidade no mercado de capitais em 2020 e viu contribuições recuarem e resgates aumentarem em relação a 2019. O saldo ainda foi positivo: captação líquida de R$ 41,8 bilhões, segundo a Fenaprevi.

O comportamento do investidor também foi heterogêneo. Houve quem resgatasse recursos para cobrir rombos no orçamento, como precaução (o dinheiro foi sacado e ficou parado em conta), ou para migrar para outra classe de ativos. “Lançamos um produto alternativo para que as pessoas não fizessem resgates, o SOS Prev, como forma de conceder crédito com lastro nas reservas de previdência. Foi uma alternativa para que os clientes não sacassem de um fundo de longo prazo para uma utilização de emergência”, diz Ricardo Bottas, que assume a presidência da SulAmérica em abril.

Enquanto alguns ramos encolheram ou andaram de lado, outros passaram ao largo da crise. O crescimento expressivo do e-commerce gerou frutos para carteiras de seguros marítimo e aeronáuticos (+44%). Único setor da economia que apresentou crescimento em 2020, o agronegócio viu a busca pelo seguro rural aumentar 29,5%. O receio de calote nas transações entre empresas turbinou a receita do seguro de crédito em 17,8%.

A pandemia também traz como legado a aceleração na educação dos consumidores, fenômeno que tende a se repetir em 2021. O home office compulsório e o aumento de demanda por pequenas reformas para adaptar a casa ao “novo normal” turbinaram em 6,1% as receitas do seguro residencial, historicamente subpenetrado no Brasil.

O medo do coronavírus e a busca por uma proteção financeira adicional para a família também despertou as pessoas físicas e o segmento PME para a contratação do seguro de vida e coberturas como morte, invalidez permanente e despesas médicas e hospitalares. A arrecadação da carteira aumentou 11,2%.

“Sempre nos perguntamos o que faltava no Brasil para o seguro de vida se tornar um produto demandado, dado que quando alguém toma decisão de acumular recursos em previdência por 30 anos, faz todo sentido contratar uma cobertura para morte e invalidez para fazer frente a uma eventual surpresa”, diz o presidente da Icatu, Luciano Snel. “A pandemia mostrou o quão frágil é a vida. Quebrou-se o tabu de se falar de morte”, diz.

A expectativa da seguradora é que a carteira cresça 20% em 2021, frente aos 13% do ano passado. Chegar ao final do ano com taxa nominal de crescimento positiva exigiu esforço. As seguradoras ofereceram renovações simplificadas, ampliaram prazos de pagamentos e, no caso de saúde, postergaram reajustes, de forma a manter em carteira um segurado que sofreu com a deterioração da renda e emprego.

Se no passado recente as receitas cresciam a taxas chinesas e as energias eram vocacionadas ao processo de vendas, hoje há investimentos massivos em performance operacional e racionalização de custos. “Um exemplo é a internalização de atividades correlatas que eram terceirizadas, como call center, assistência 24 horas e inspeções, que o mercado de forma geral terceirizava. O movimento ocorreu em 2020 e 2021 será um repeteco”, diz Riedel, da HDI.

A digitalização foi acelerada. Lançamento de plataformas para treinamento de corretores e novas funcionalidades como avisos de sinistros e pagamentos de indenizações de forma 100% digital, autovistoria e autoinspeção veiculares via apps são inovações que ganham tração. As vendas pelos canais digitais da Bradesco Seguros cresceram 52% em 2020, atingindo R$ 1 bilhão. “Em Previdência, incluímos uma ferramenta específica para mobile e assinatura eletrônica por biometria. Em vida, disponibilizamos o aviso de sinistro 100% digital para todas as coberturas e contratos”, diz o presidente Ivan Gontijo.

A telemedicina também veio para ficar. “Investimos em uma plataforma de cuidado coordenado e mais de 800 mil pessoas passaram pela plataforma, ou 25% da população segurada. Não adianta apenas ter um bom produto, o canal é sempre importante no mercado de seguros”, diz Gabriel Portella, presidente da SulAmérica e que no fim do mês assumirá uma cadeira no conselho da empresa. Em 2020, foram realizados 641 mil atendimentos, dos quais 528 mil a distância, entre teleconsultas e terapias, pela plataforma Médico na Tela.

Em um fenômeno que ganhou força nos últimos quatro anos, as seguradoras também reforçaram parcerias com outras seguradoras ou fintechs como forma de ampliar canais de vendas, ganhar escala e fincar pés em mercados e ramos em que não atuavam sem a necessidade de começar uma operação do zero. Icatu e HDI lançaram um seguro de vida PME, aproveitando a expertise da primeira nessa área e a capilaridade (26 mil corretores e 2,5 milhões de clientes) da segunda para ampliar a distribuição.