20/01/2017 / Fonte: Antonio Penteado Mendonça  Será que existe seguro para mercadorias contrabandeadas? A pergunta não é inédita. Já me perguntaram mais de uma vez se é possível os contrabandistas que trazem muamba do Paraguai contratarem seguro para proteger a carga. A resposta é não. Não é possível a contratação de uma apólice nestas condições. Ou melhor, tecnicamente, até seria possível emitir a apólice, mas, mesmo que isso acontecesse, no caso de um sinistro, a indenização não poderia ser paga porque o segurado não teria como apresentar a documentação referente aos produtos importados. Mais uma vez, não porque ela não pudesse ser emitida, mas porque, por deliberação dele, a documentação não foi providenciada, já que sua intenção era trazer as mercadorias para o Brasil sem pagar os impostos. Ou seja, a operação é ilegal e configura o crime de contrabando.
A mesma regra vale para os produtos piratas. Por se tratar de operação ilegal, o segurado não teria como apresentar os documentos necessários para a seguradora regular o sinistro e pagar a indenização. Da mesma forma, as peças estocadas num desmanche clandestino também não poderiam ser indenizadas, em função da ausência de comprovação de sua origem. Assim, ainda que, em tese, a contratação de seguros para estas e outras situações ilegais fosse possível, na prática, o segurado não receberia a indenização e, ainda por cima, correria o risco de ficar exposto, já que a seguradora estaria obrigada a informar o fato às autoridades competentes. Mas, além da impossibilidade do pagamento da indenização, há outra razão ainda mais importante para que uma seguradora não aceite um risco desta natureza.
A lei e os princípios básicos que norteiam a atividade seguradora vedam a contratação de seguros para garantir atividades ilegais. Seguro, de acordo com o Código Civil, existe para garantir interesse legítimo do segurado. Como uma atividade ilegal não é um interesse legítimo, nem tão pouco a posse de mercadorias conseguidas de forma ilícita, não há como se falar em contratação de seguro para mercadorias contrabandeadas, ou mercadorias piratas, ou produtos roubados. É preciso dizer que a regra faz todo o sentido. Afinal, não é razoável se imaginar uma proteção patrimonial ou operacional para um criminoso ou para uma atividade à margem da lei. Tanto é assim que o seguro de vida em grupo, que é um seguro de indenização ampla, tem entre suas poucas exclusões a morte em decorrência de crime ou confronto do segurado com a polícia. É preciso deixar claro que a situação oposta, ou seja, quando o segurado ou as mercadorias e bens de sua propriedade são furtadas ou roubadas, ou quando ele perde a vida, vítima de um assalto, o seguro é pago sem nenhum problema.
A diferença entre as duas situações é que as atividades legais, que são vítimas de atos ilícitos, podem e devem ser seguradas, até porque a função precípua do seguro é dar proteção ao patrimônio e capacidade de atuação da sociedade, através da contratação de apólices específicas, destinadas a proteger individualmente os riscos de seus integrantes. Enquanto as atividades ilegais contra o patrimônio ou a pessoa não podem, em hipótese alguma, serem beneficiadas com indenizações de seguros, em caso de darem errado; enquanto operações empresariais criminosas também não podem ser seguradas; enquanto interesses não legítimos do segurado não podem ser segurados, o seguro existe para dar tranquilidade àqueles que cumprem a lei, que respeitam as regras do jogo, que pagam impostos, que trabalham com transparência e lisura. Se o seguro pudesse garantir os riscos decorrentes do crime ou de atividades ilegais, estaria havendo, mais que o incentivo para os criminosos, a chancela da sociedade para este tipo de situação. Ou seja, estaria se instalando o caos no ordenamento jurídico, que é a base da existência e funcionamento da sociedade. O assunto é tão importante que, atualmente, existem regras claras previstas em leis, como a lei de lavagem de dinheiro, que limitam e obrigam as seguradoras a denunciarem indícios de operações ilegais.