Por Cobertura – 22/06/2021 as 13:09 – André Dabus – Diretor de Infraestrutura da Marsh Brasil
Um dos ambientes mais carentes de inovações no setor de infraestrutura envolve as garantias necessárias para obtenção de financiamento em projetos. Para entender o porquê dessa lacuna no mercado, é preciso traçar um histórico observado nas últimas décadas.
Até os anos 90, a grande maioria das obras de infraestrutura do país eram financiadas pelas empresas de engenharia que venciam as licitações e utilizavam seus balanços para dar lastro aos contratos de financiamento necessários para execução das obras e serviços de engenharia. Contratadas pelo Estado, as empresas executavam as obras, recebiam as medições de acordo com a evolução do cronograma e, quando não tinham capital suficiente, recorriam a novos contratos de financiamento junto aos bancos privados e/ou de desenvolvimento, visando recursos para abastecer seu caixa.
O modelo funcionou bem até a crise fiscal que assolou o país na segunda metade da década, fazendo com que o Estado perdesse sua capacidade de financiamento. A Emenda Constitucional n. 95/2016 contribuiu definitivamente para este cenário, impondo limites para os gastos públicos.
Para evitar a situação de desequilíbrio fiscal crônico, um conjunto de leis e dispositivos regulatórios foram criados para impedir que a União, Estados e Municípios gastem mais do que arrecadem, limitando assim os investimentos públicos em infraestrutura. Desta forma, tornou-se uma missão quase impossível o ente público contrair diretamente empréstimos para execução de obras de infraestrutura, forçando uma transição do modelo clássico de financiamento “Corporate Finance” para o “Project Finance”, em que a própria estrutura de recebíveis do contrato dá o lastro para o investidor obter os recursos financeiros necessários para o desenvolvimento do projeto.
Durante este período de transição, surgiram novas estruturas para financiamento de projetos, tais como as debêntures incentivadas de infraestrutura, organismos e agências multilaterais de credito e fomento, além dos bancos estaduais de desenvolvimento e do próprio BNDES.
No entanto, a estrutura de garantias para permitir o acesso ao crédito, salvo raríssimas exceções, mantém-se ancorada nas tradicionais cartas de fianças bancárias, que, além dos custos elevados, oneram o limite de crédito dos investidores junto às instituições financeiras. Sendo assim, para a grande maioria dos investimentos em infraestrutura no Brasil, a cultura do Project Finance Limited-Recourse mantém-se como regra geral, enquanto não for possível a viabilização do Project Finance – Non Recourse.
Ao longo dos últimos anos, a Marsh realiza pesquisas no Brasil e no exterior para desenvolver e aplicar modelos de apólices de seguros e de garantia, visando a proteção do financiador, principalmente na fase “pré completion”, com a finalidade de garantir a implantação do projeto em conformidade com termos e condições do contrato de financiamento. Como exemplo, citamos a Colômbia, que já considera o Seguro de Garantia Completion Bond como alternativa para garantias em financiamentos de projetos.
Durante o mês de abril, como parte de nossa estratégia, organizamos em conjunto com o GRI Club, entidade que reúne os principais players dos setores de infraestrutura, um webinar para obter novos subsídios sobre o tema, contando com a participação do BNDES e de investidores nacionais e internacionais. As discussões foram muito produtivas, e concluímos que o mercado segurador brasileiro poderá contribuir ainda mais, criando novos modelos de apólices de seguros necessárias para proteção dos investidores, financiadores, reguladores e beneficiários. A recente resolução 407 do CNSP Conselho Nacional de Seguros Privados, que desregulamentou a contratação de seguros de grandes riscos no país, será fundamental para estimular o desenvolvimento de novos clausulados e modalidades de seguros.
O desenvolvimento da infraestrutura no Brasil dependerá não somente de recursos financeiros de curto, médio e longo prazo, mas também de instrumentos de garantias inovadores, para que investidores nacionais ou internacionais possam obter recursos financeiros através de estruturas de Project Finance, sem necessidade de utilização das cartas de fiança bancária em todas as etapas do projeto.