Valor Econômico – 10 de Julho de 2020

O Valor Econômico informa que a Superintendência de Seguros Privados (Susep) pretende viabilizar o mercado de investimentos ligados a seguros no Brasil, o chamado ILS (sigla para insurance linked securities). O objetivo é que o instrumento seja uma alternativa ao modelo tradicional de transferência de riscos de seguros e resseguros. Uma consulta pública será a aberta a partir de hoje para discutir o assunto com o mercado.

Tradicionalmente, a resseguradora se capitaliza por meio de um acionista privado ou uma emissão de ações. Pelo ILS, em vez de se financiar com capital próprio, ela poderá emitir uma dívida, cujo fluxo de caixa está associado a um contrato de resseguro que fez com a seguradora. Se ao fim do prazo – em geral, de um a três anos – não houver sinistro decorrente desta exposição, o investidor recebe de volta o capital investido, mais um retorno adicional para compensar o risco assumido. Caso ocorra um sinistro, o investidor não recebe o retorno e pode perder parte do capital investido, dependendo das características do ILS. Por isso, pela proposta da Susep, o título será destinado a investidores profissionais.

A autarquia acredita que o ILS é mais uma alternativa para o mercado de capitais, em um ambiente de juros baixos, além de ser um instrumento cujo desempenho não tem correlação com outros ativos do mercado financeiro, como câmbio ou bolsa. “O ILS é uma forma de atrair divisas para o Brasil. Há um desejo de colocar o país como um hub regional”, disse o diretor da autarquia, Eduardo Fraga.

O assunto foi discutido no grupo de trabalho do mercado de capitais em 2018, e retomado este ano. “O ILS irá permitir que as seguradoras possam reduzir seus riscos e custos de captação, possibilitando assim melhores preços para o consumidor, favorecendo o desenvolvimento do mercado brasileiro”, acrescentou a superintendente Solange Vieira. O regulador só ira autorizar operações para seguradoras e resseguradoras que já estiverem no sistema de registro de operações (SRO).

Para que possam fazer esse tipo de operação, a Susep irá habilitar o chamado ressegurador local de propósito específico (RPE), que terá exigências menores do que um ressegurador tradicional por ter uma estrutura mais simplificada. Pela proposta da autarquia, o ILS deverá ser “100% colateralizado”. Ou seja, o valor do limite máximo da indenização tem que estar aportado pelos investidores dentro do veículo. Assim, um produto ligado a um contrato que tenha prevista perda máxima de R$ 300 mil terá de captar esse mesmo valor no mercado.

“Isso traz muita solidez financeira e prudencial porque dá a certeza de que o contrato será honrado”, disse o diretor. No resseguro tradicional, os recursos reservados têm que ser igual ao valor das perdas esperadas. “Pelo fato de estar 100% colateralizado não há risco de subscrição nem de crédito. A barreira de entrada é ter credibilidade de que irá conseguir captar no mercado de capitais e a operação é segura financeiramente”, afirmou Fraga.

O ILS foi criado quando o mercado de resseguros teve dificuldades após a passagem do furacão Andrew, em 1992, no sul dos Estados Unidos. Com os pedidos de sinistros, várias seguradoras faliram e as que sobreviveram no mercado ficaram mais restritas a cobrir riscos.

Uma parte da solução foi se voltar para o mercado de capitais. Globalmente os maiores mercados de ILS – especialmente os “cat bonds”, ligados a catástrofes naturais – são Bermudas e Estados Unidos, que são associados a fenômenos da natureza de grande impacto. Na América Latina, o maior ILS já emitido, de mais de US$ 1 bilhão, foi uma operação do Banco Mundial voltada para proteger países da Aliança do Pacífico contra catástrofes naturais. Já no Brasil, não é algo tão comum, apesar da recente passagem do ciclone na região Sul.

“É uma iniciativa de fortalecimento do mercado de capitais brasileiro. E pode ter o mesmo impacto positivo para o mercado de seguros que o CRI e CRA [certificado de recebíveis imobiliários e do agronegócio] tiveram para o mercado imobiliário e para o financiamento agrícola”, disse o executivo do mercado segurador, Rodrigo Botti. Segundo ele, será possível pensar em fundos para desastres agrícolas, ou catástrofes naturais como o recente ciclone bomba.

Até o fim do ano passado, Botti presidiu a resseguradora Terra Brasis, o primeiro agente privado da América Latina que fez uma operação desse tipo em 2016, nas Bermudas. A emissão, de US$ 5 milhões, foi renovada por três anos. O objetivo foi proteger o portfólio da própria Terra Brasis em caso de terremotos em países que operava. A Terra Brasis foi incorporada pela Austral no fim de 2019.

“Esse tema tem o apoio do setor, abre novas possibilidades para as seguradoras e resseguradores. Isso de certa forma aumenta a competitividade e pode abrir campo para novos produtos de seguros, para algum risco ou para partes de risco”, disse o diretor técnico e de estudos da Confederação Nacional de Seguros (CNSeg), Alexandre Leal.