CNseg – 14 de Novembro de 2022 – Revista de Seguros

Dois dos setores mais prejudicados pela pandemia, o de turismo e o de audiovisual estão aos poucos retornando aos patamares anteriores à crise sanitária. Diretamente afetados pelo isolamento social, quarentena e fronteiras fechadas no ápice do contágio do coronavírus, esses setores colhem agora os resultados da reabertura, embora o processo de recuperação seja lento e gradual para ambos. Nesse caminho, outros desafios entraram em cena: a situação econômica do País, puxada pela alta da inflação e queda da renda familiar dos brasileiros.

Especificamente no turismo, o tombo provocado pela pandemia foi significativo. O setor já vinha apresentando queda na variação de receita desde 2015, por conta da crise econômica acentuada em 2016. Em 2018, houve uma recuperação tímida, com crescimento de 2% no faturamento, que chegou a R$ 276 bilhões. Em 2019, TURISMO E AUDIOVISUAL | [ Por: Bianca Rocha Fotos: Divulgação, banco de imagens Google ] a alta foi de 2,7%. Em 2020, com a chegada do coronavírus ao Brasil, a redução foi de 36%, uma queda histórica – o faturamento ficou em R$ 185 bilhões. Em 2021, a situação melhorou, porém, em um patamar inferior a 2019, com R$ 263 bilhões em receitas. Os dados foram compilados pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), com base na Pesquisa Mensal de Serviços do IBGE.

Os valores englobam as receitas obtidas pelas atividades econômicas ligadas ao turismo: hospedagem, alimentação, transporte de passageiros (rodoviário, aéreo e marítimo), atividades de lazer, serviços culturais, agências de viagem e empresas de aluguel de veículos. Juntos, esses segmentos empregam cerca de 3,39 milhões de pessoas, número que já leva em conta as 469,8 mil vagas formais perdidas nos seis primeiros meses da pandemia. As contratações, no entanto, recomeçaram a partir de outubro de 2020. Até junho de 2022, 365,1 mil vagas já haviam sido recriadas, principalmente em bares e restaurantes e serviços de hospedagem.

A retomada mais consistente do setor deverá acontecer neste ano, prevê o economista sênior da CNC, Fabio Bentes. A expectativa é de crescimento de 4,3% no faturamento das atividades ligadas ao turismo, em relação a 2021. Segundo ele, o índice leva em conta a demanda reprimida dos últimos anos e será puxado principalmente pelo fluxo de turistas brasileiros em território nacional, que hoje representa cerca de 70% da receita do setor.

“A procura por turismo interno tem evoluído mais rapidamente por motivos óbvios. A pandemia fechou fronteiras e muitos países começaram a estipular critérios para a entrada de turistas estrangeiros. Sem contar que viajar para o exterior está extremamente caro. Está havendo uma mudança de perfil na forma de os brasileiros se deslocarem, priorizando no momento destinos nacionais em detrimentos dos internacionais”, explica Bentes.

Segundo o economista da CNI, a movimentação nos aeroportos do Rio de Janeiro ajuda a ilustrar bem essa mudança de hábitos no pós- -pandemia. “Enquanto o Galeão tem sofrido um esvaziamento de voos desde o início da crise sanitária, o Santos Dumont, que atende voos domésticos, vem registrando crescimento no número de passageiros”, compara.

A questão aérea tem sido vista como um obstáculo à recuperação do turismo no Brasil. O motivo é o preço das passagens de avião, que vem disparando desde a reabertura da economia, em razão da alta do dólar e do combustível de aviação. Segundo o IPCA, as passagens aéreas aumentaram 122,4% no acumulado dos últimos 12 meses.

Para o presidente da Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação (FBHA), Alexandre Sampaio, a inflação “deu um clique” nas pessoas, que estão observando o cenário para ver como as coisas vão ficar, e ainda há o fator eleição, que, historicamente, reduz o fluxo turístico.

“A expectativa é que, passado novembro, o turismo volte com força para a alta temporada em voos nacionais e internacionais, que estão muito aquém do período pré-pandêmico”, afirma ele, que também é membro do Conselho Empresarial de Turismo e Hospitalidade (Cetur/CNC).

LINHAS DE SEGUROS

Os resultados dos produtos de seguros ligados aos dois setores estão em linha com a retomada do turismo. Segundo a FenaPrevi, o seguro viagem alcançou R$ 75 milhões em prêmios, apenas em maio de 2022, crescimento de 307% sobre o verificado no mesmo mês de 2021. O valor é maior, inclusive, do que o registrado em maio de 2019, ano anterior ao da pandemia. Já considerando o acumulado de janeiro até maio deste ano, o resultado chega a R$ 297 milhões, com alta de 240% em relação ao mesmo período do ano passado.

“Há mais pessoas viajando dentro do País, trocando viagem internacional por nacional. Pessoas que tinham o costume de contratar seguro viagem para trajetos internacionais estão agora trocando o seguro para viagens no Brasil”, afirma Bernardo Castello, membro das Comissões de Produtos de Risco e Sobrevivência da FenaPrevi.

A lista de coberturas básicas do seguro viagem é praticamente a mesma, mas houve a inclusão de uma voltada para a Covid-19, que cobre extensão de hospedagem e despesas adicionais para quem contrai a doença no destino. A precificação do produto, no entanto, não sofreu alteração, porque o cenário não oferece grandes riscos.

“Para viajar em qualquer lugar do mundo, é necessário apresentar um PCR negativo e/ou o comprovante de vacinação. Então, o risco de morte no exterior, que é o evento de maior severidade no seguro, é infinitamente menor”, explica, informando que não tem havido aumento expressivo da sinistralidade do produto.

Castello ressalta que há um mercado fértil no Brasil para os seguros voltados para viagens nacionais, principalmente aquelas de curta distância, cujas possibilidades ainda não são muito bem exploradas. “Para uma viagem curta, não é necessária uma cobertura cara. As demandas estão mais relacionadas a despesas de custos médicos e hospitalares, caso o segurado não tenha um plano de saúde com cobertura nacional. Isso é uma baita oportunidade para o seguro viagem, assim como o desenvolvimento de um canal interessante para a venda desse produto”, pondera.

O diretor da corretora de seguros Global Opsi, Luiz Janela, confirma que as vendas do seguro vigem estão quase chegando ao patamar pré- -pandêmico, após um período turbulento. “Chegamos a zero no ápice da crise e estávamos acostumados a comercializar mais de cem apólices por mês”, afirmou.

Outro produto que voltou com força com o fim do isolamento social, segundo ele, foi o de RC Profissional para operadores turísticos/agências de viagens. “Voltamos a vender mais neste ano depois de uma longa parada. Durante as férias escolares, esses produtos costumam deslanchar. Foi assim em julho deste ano, e espero que continue na alta temporada de verão”.

RETOMADA DO AUDIOVISUAL

Em meio à pandemia, o cenário e as perspectivas para o setor audiovisual no Brasil mudaram significativamente. Depois da quarenta e da consequente paralisação das produções, a indústria foi retomando aos poucos as atividades com protocolos sanitários rígidos, à medida que o contágio abrandava e o entretenimento na TV tornava-se uma válvula de escape para quem permanecia em casa.

Foi durante a pandemia que um fenômeno se intensificou: a chegada em massa dos serviços de streaming na produção audiovisual no País, investindo recursos privados na realização de obras com equipe e elenco nacionais. Esse modelo ganhou força enquanto a publicação de novos editais pela Agência Nacional do Cinema (Ancine) vinha minguando desde antes da crise sanitária. Este ano, no entanto, as perspectivas são melhores: a agência voltou a lançar editais por meio do Fundo Setorial do Audiovisual. Em maio, por exemplo, foram dois, totalizando R$ 115 milhões.

A notícia é um sopro de esperança para o setor audiovisual, que levou um tombo na pandemia. Para se ter uma ideia da queda, em 2020, 189 filmes brasileiros tiveram nove milhões de espectadores e R$ 142 milhões de renda. Em 2021, 209 filmes brasileiros tiveram 700 mil espectadores e receita de R$ 11 milhões.

O setor de seguros vem colhendo os frutos dessa retomada e acompanhando de perto a alavancada das plataformas de streaming. Embora não existam números que baseiem o aumento da quantidade de apólices voltadas para o setor, é possível identificar que o ramo anda aquecido com os corretores de seguros experientes nessa área.

“A chegada de grandes players internacionais trouxe mais profissionalização ao mercado audiovisual brasileiro. Os produtores de fora são muito conscientes da necessidade do seguro e exigem as apólices no ato da contratação. Então, no momento em que o Governo cortou linhas de incentivo à cultura, as produtoras que viviam de projetos incentivados foram buscar a sobrevivência na iniciativa privada, ou seja, no streaming. Isso acabou sendo benéfico para o mercado de seguros”, avalia Ricardo Minc, CEO da Affinité Seguros.

Com as perdas provocadas por sinistros altíssimos – no mundo todo, estimam-se cerca de R$ 3 bilhões só no segmento de filmes – poucas seguradoras permaneceram no ramo. Com a retomada das produções pós-pandemia, o preço das apólices ficou mais alto, segundo Minc, que cita aumento em torno de 30%.

As coberturas também sofreram mudanças. Antes destinada apenas aos atores principais, a de não comparecimento no set agora está sendo feita para todo o elenco. “A Covid-19 está excluída, mas qualquer outra virose está coberta”, afirma, relatando que a subscrição está muito mais rigorosa. “A seguradora pede para verificar exames médicos dos atores e histórico de doenças. Antes não existia isso”.

Dulce Thompson, que comanda a própria corretora de seguros, a Dulce Thompson Riscos e Seguros para Sports & Entertainment, confirma que houve alta nos valores das apólices. “Tudo ficou mais caro depois da pandemia”, constata, destacando aumento da demanda pelo seguro de Erros & Omissões, voltado para a pós-produção (no momento da distribuição do filme).

“A sinistralidade ainda é baixa no Brasil, as produções retomaram às atividades com mais cuidado, e o risco é menor. Acredito que esse tipo de seguro vai continuar em alta no País”, estima.